*Lica.*
Quando eu cheguei ao cemitério chovia, era uma chuva fina, mas eu não me importava de me molhar. As pessoas ao longe pareciam lamentar a morte do velho Edgar Gutierrez e da sua linda esposa Lílian. Hipócritas, eles queriam era não fazer feio na frente da imprensa que cobria aquele último evento.
Ninguém ali se importava de fato com o que estava acontecendo, talvez e só talvez, a única que se importasse fosse aquela patricinha de óculos escuros, saia lápis preta na altura um pouco abaixo dos joelhos, salto agulha e uma camisa branca seguida por um terninho ridículo.
Eu não iria participar daquela palhaçada, mas eu não iria mesmo. Eu não iria fingir que me importava, porque meu pai estava longe de ser o santo que todos pensavam, ele era um egoísta nato! Até para morrer tinha que ser algo em grande estilo, assim, ele nunca seria esquecido.
Ridículo, era só o que eu conseguia pensar. Eu me lembro na época da escola, o rolo que deu quando ele assumiu o namoro com uma das minhas professoras mais gostosas. O pior era que a mulher era insuportável e era a melhor amiga da minha mãe... Ele comeu a minha professora por quase vinte anos e por pouco, muito pouco mesmo, ele não a engravidou e foi o pai da minha ex-melhor amiga Clara, que ao que parecia, agora era a melhor amiga da minha querida irmãzinha postiça.
A família Gutierrez era podre. Mentiras atrás de mentiras e o tempo todo se fazendo de vítima. É bem verdade que depois que meu pai se casou com a Lílian, ele parecia ter se tornado um ser humano melhorzinho, mas eu nunca iria perdoá-lo pelo que fez com a minha mãe, nem por ter vendido a escola que tinha sido do meu avô e eu nunca, jamais compraria a história de que ele havia se regenerado, ainda que agora ele estivesse completamente morto.
***
*Samantha.*
- Foi uma cerimônia bonita, amiga. - Falou Clara ao meu lado.
- Amor, eu vou te esperar lá fora. Quando você quiser, eu te levo para casa. –Disse Felipe me dando um beijo na testa.
- Obrigada pessoal, sério. Eu só preciso de mais alguns minutos aqui sozinha. – Falei encarando o monte de terra.
Eu permaneci ali até todos se afastarem e irem embora, eu precisava daqueles últimos minutos para me despedir... A minha família podia não ser perfeita, mas ainda assim, era minha família.
O Edgar nunca tinha sido um santo, mas depois que ele conheceu a minha mãe, ele se ajeitou e por incrível que pareça, ele foi a figura masculina que mais se aproximou de ser um pai para mim e eu estava grata por poder nesse momento estar aqui... Ele fez a minha mãe feliz e ela sim, tinha sido uma mãe completamente maluca, mas uma mãe incrível... É ia ser difícil, agora eu estava sozinha no mundo.
Eu continuei ali por vários minutos... Eu não conseguia sair, agora tudo seria diferente e eu não estava preparada para assumir qualquer coisa que eu precisasse assumir, porque eu estava em pedaços... Eles eram tão jovens, tão cheios de vida e agora eles estavam mortos...
- Meus pêsames irmãzinha. Você pode parar de chorar agora, os repórteres já foram embora, você não precisa mais fingir.
- Eu não sou sua irmã Heloísa. – Eu respondi olhando para ela.
- Pelo menos isso!
- Quando você voltou para a cidade?
- Duas semanas.
- Hum.
- Não fica feliz em me ver irmãzinha postiça?
- Você sabe que não, mas é o que tem para hoje. Amanhã os advogados da família vão fazer a leitura do testamento.
- Ótimo, assim acabaremos logo com isso.
- Como você pode ser tão fria Heloísa? Seu pai acabou de morrer.
- Para mim ele já estava morto há muito tempo.
- Que horror! Ele podia não ser um santo, mas não era um monstro.
- Fale por você irmãzinha.
- Bom, eu não vou discutir. Amanhã, às 10h00min, no escritório do Dr. Afonso, esteja lá, com licença.
- Pode deixar, eu estarei. Tchau irmãzinha.
Eu saí sem responder. Depois de tantos anos fora, Heloísa continuava a mesma, ou quase isso... Ela ainda usava aquelas horríveis botas de combate, calças rasgadas, uma regata e uma camisa xadrez. Ela ainda tinha aquele comportamento arrogante que a fazia parecer à dona do mundo, no entanto, seu rosto estava mais fino e seus cabelos estavam mais curtos, estavam também mais escuros.
Eu só queria acabar logo com aquilo, caminhei em direção ao Felipe que me esperava pacientemente junto com Clara que me olhava, tentando entender o que é que me perturbava. Ela sabia que naqueles minutos em que eu fiquei sozinha alguma coisa tinha acontecido.
Nós voltamos para o apartamento no qual eu morava junto com a Clara em silêncio, ninguém me pressionava para dizer nada, eu estava cansada... Eu tomei um banho e pedi para que meu noivo me deixasse sozinha, porque minha cabeça doía.
- Sammy.
- Oi Clarinha.
- O que aconteceu no cemitério?
- Como?!
- Aconteceu alguma coisa, eu sei que sim. Você voltou diferente e nem adianta você me dizer que foi só por causa do enterro.
- Heloísa voltou.
- Lica?
- Exatamente.
- E vocês conversaram?
- Mais ou menos, mas eu falei para ela sobre a leitura do testamento amanhã no escritório do advogado.
- Fazia quantos anos que vocês não se falavam?
- Quatro anos, ela foi embora logo depois da formatura da escola.
- E ela sabe sobre você e o Felipe?
- Não sei.
- Você contou para ele?
- Ainda não.
- Uau, essa menina mal chegou e já começou a te desestruturar.
- Ela não me desestruturou. Eu só estou cansada demais para lidar com ela... Aliás, Clara, eu preciso descansar.
- Tudo bem amiga, qualquer coisa só me chamar.
- Obrigada.
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O Apartamento-Limantha.
RomanceO que você faria se estivesse preso a uma situação com alguém que você não suporta por causa de um contrato inquebrável? Samantha Lambertini e Heloísa Gutierrez se encontram exatamente assim! Tudo começou quando as duas meninas ainda eram adole...