Novo e reluzente

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India


— Não posso acreditar! — Ella delirava ao olhar para uma folha quadriculada. — Ele vai ser o meu parceiro!

— Nunca vi ninguém ficar tão radiante assim com um projeto. — Merida brincou, mas a Ella estava demasiado alegre para se deixar abater.

— Não é um projeto qualquer; é o projeto do semestre. E sabes o que isso significa? Significa tardes passadas a sós e noitadas a tentar responder a todas as premissas.

O chá fumegante embaciava os meus óculos e, por mais que quisesse saltar de alegria com a Ella, estava com a minha mente num lugar distante; um lugar onde a lareira me aquecia e o Michael me acariciava. Tive até dificuldades em acreditar que aquela tarde, de facto, acontecera. Tinha sido demasiado boa para ser real, mas será que ele partilhava da mesma opinião que eu? Talvez não gostara de que eu tivesse adormecido por ter tido outros planos para aquela tarde? Só isso poderia explicar-me o porquê do seu silêncio durante os seguintes dias. Não que me orgulhasse, mas procurei pela sua pessoa nos recantos do corredor, sempre expectante para o ouvir a conversar, ou então simplesmente para o ver.

— Estou a assumir que vais ver o treino hoje, certo? — Merida procurou saber e Ella assentiu.

— E durante quanto tempo é que tu vais ficar sem falar com o Michael, uh? — Ella perguntou.

Oh, pois. Aquele era outro grande problema. Como já seria de esperar, o entusiasmo de Merida não desapareceu depois de o ver a jogar, muito pelo contrário; vê-lo a correr atrás da bola só fez com que se perdesse de paixão por ele. Duvidei da profundidade dos seus sentimentos por um rapaz com quem nunca falara, especialmente por saber como ela era no que tocava a rapazes. Eles serviam-lhe de um triste hobby: achava-os atraentes, procurava seguir qualquer passo que eles dessem sem nunca se pronunciar para, no final, esquecê-los e passar para outro. Por isso, deixei que o tempo passasse e que a minha teoria se confirmasse.

— Eu também vou. — Juntei-me e as duas olharam-me, assustadas.
— O que foi?

— India, estás bem? Pareceu-me ter-te ouvido dizer que também queres ver o treino. Estarei a enlouquecer? — Merida troçou e Ella abanou a cabeça em reprovação.

— Não tenho nada melhor para fazer e já que vocês as duas vão, só faz sentido eu ir também.

As aulas foram tortuosas. Ansiei para o último toque que me diria que, dentro de minutos, estaríamos a correr até às bancadas do relvado. Na última aula estive a leste, um repreensível hábito, apesar do motivo ter sido inteiramente compreensível. Tinha tudo idealizado na minha mente: chegaria perto dos balneários e de lá sairiam o Ashton e o Michael, juntamente com os restantes. Aí, não lhe iria dar qualquer escolha e falaríamos. Seria agraciada por mais um dos seus enervantes sorrisos e teria a imediata confirmação que aquela tarde significara tanto para si como para mim. Mas o que significou para mim, afinal? É difícil pôr por palavras, mas o sentimento foi de uma proximidade nova e aliciante. E como saberia que mais um sorriso seu seria uma confirmação do que quer que fosse? Na verdade, não fazia ideia.

— Se não te conhecesse até dizia que adoras futebol... — Ella apontou, mas estava demasiado focada em levar a cabo o meu plano.

Ao ver os balneários, agarrei na minha mochila e tentei controlar os meus batimentos cardíacos, mas sem efeito algum. Era isso que a Ella sentia sempre que estava prestes a ver o Ash?

— Entramos?

Fora a adrenalina que era entrar num lugar interdito, os balneários eram um sítio desagradável. Estava incomodada por ver tantos troncos despidos e por sentir o vapor dos chuveiros, mas mantive os olhos colados ao rabo-de-cavalo balançante de Ella que nos guiou pelos corredores. Ela já conhecia aquele lugar como a palma da sua mão depois de tantas vezes acompanhar o Ash, mas para mim era algo que jamais me habituaria. Por outro lado, foi fácil perceber que o Michael ainda não estava ali de toalha enrolada à cintura porque não havia nenhum vestígio de uma cor pouco usual. Isso deixou-me ainda mais inquieta por poder finalmente vê-lo.

— Ash! — Merida exclamou mal o viu a apanhar o cabelo desajeitadamente.

— Oh, vocês vieram.

A nossa amizade jamais me impediu de apreciar a sua beleza. Tinha a pele dourada, um cabelo ondulado claro e um par de olhos âmbar. Quando sorria, os seus caninos característicos espreitavam por detrás dos lábios desenhados e, se estivesse mesmo feliz, tínhamos direito ao vislumbre de uma covinha na sua bochecha. Ella apressou-se a dar-lhe a boa notícia sobre o projeto de ciências, mas continuei determinada em encontrar o responsável pelo meu turbilhão de emoções.

Nenhum dos rapazes seminus me distraíram com os seus físicos impressionantes, mas foi um cabelo longo e umas pernas esguias de saltos altos que me captaram a atenção. A minha curiosidade procurou desvendar quem se escondia por detrás dela, mas logo me arrependi. Atrás dela estava ele. O Michael mostrava-lhe aquele sorriso que tanto esperei ver e um olhar curioso sobre o quer que ela lhe estivesse a dizer. Ela passou as suas unhas aguçadas pelo seu braço tatuado e inclinou-se para mais perto, tendo a sua boca a roçar na dele.

Auch.

Não sei explicar porque vê-lo com outra pessoa doeu, mas se doeu... Talvez tivesse sido o meu ego que, querendo ou não, já estava habituado a ter a sua atenção e, para além disso, as suas palavras ainda ecoavam na minha cabeça.

"Lamento que esteja tão determinado a conhecer-te melhor a cada dia que passa. Infelizmente não o consigo evitar."

A verdade era que nada entre nós ia para além de uma prematura amizade disfuncional e, se éramos apenas amigos, não havia qualquer sentido em sentir-me tão transtornada; conhecia o Ash há anos e nunca houve uma única faísca de ciúmes, por exemplo. Tentei calar o meu subconsciente quando me lembrou da possibilidade de que ele, muito possivelmente, já tivesse perdido o seu interesse em mim. Faria sentido. Talvez tudo o que ele quisesse fosse alguém fácil e leve; tudo o que eu não era.

Quando finalmente descolaram as suas bocas, rodei nos meus calcanhares para perto das minhas amigas que logo se encaminhavam para as bancadas. A última coisa que quis foi que ele me visse ali, especada e confusa.

— Estás bem? — O Ashton perguntou quando me viu mais aluada do que o costume.

Quis responder-lhe, mas o meu corpo estava tão desobediente; os meus olhos teimaram em olhar para trás, o que não lhe passou despercebido. Pousou a sua mão calejada no meu ombro e revirou os olhos, reconfortando-me:

— Sabes como é. Todos andam atrás de tudo o que é novo e reluzente.


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Com amor,

MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora