Coincidências

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Capítulo 2

Coincidências

India

Vim a perceber o porquê de também não gostar de quartas-feiras, especialmente aquela quarta-feira. Para além de ter voltado a acordar com os pés de fora, vim a saber que também era dia de corrida em Educação Física; outra disciplina repudiável e escusável. Todas nós trocávamos de roupa nos balneários sob uma atmosfera tipicamente feminina, onde reinavam os mexericos e histórias e pareceres sobre rapazes.

Oh sim, os rapazes eram um grande tópico.

— Meninas, digam-me. Quem é que já viu o novo rapaz? — alguém perguntou.

Várias vozes responderam em uníssono negativamente. Falhava-me a capacidade de entender qual o motivo para tal excitação.

— Ouvi dizer que ele era alto e musculado... — outra acrescentou.

— Oh, sim... Por acaso uma amiga minha já combinou um encontro com ele este fim-de-semana. Ela diz que ele é um sonho. — Mais uma acrescentou.

— Ainda por cima dizem que é australiano! — disse, causando às restantes um longo e pesado suspiro.

Com isto, entraram todas em histeria. Era tão triste quanto compreensível toda a euforia por detrás do dito "rapaz de sonho". Numa cidade tão pacata quanto Fall River, as novidades eram escassas, por isso, quando algo diferente como um novo aluno, todo o tipo de conjeturas e rumores facilmente vagueavam pelos corredores da escola. Admito que a minha curiosidade foi aumentando ao ouvir tudo o que diziam. Seria verdade? Seria ele assim tão bonito? Seria verdade que uma das amigas desgrenhadas de Jenny tinha um encontro marcado com alguém tão incrível assim? E australiano? Com essa última parte, fui guiada para as lembranças do dia anterior; coincidência ou não, o tal Michael tinha um sotaque australiano. Sacudi a cabeça, pronta para parar de pensar em algo tão ridículo assim. Ao final de contas, havia de ser mais um rapaz igual aos outros: estúpido e ranhoso.

Quando toda a turma se aprontou, colocámo-nos de frente ao professor que, como sempre, parecia um sargento. Na sua boca estava o temível apito vermelho que, aos três, marcou o início do exercício.

— Podem começar a dar oito voltas ao campo. — Com esta indicação, todos começaram a correr, à exceção das minhas amigas e de mim que nos lamentávamos desesperadamente.

— Não me apetece nada correr hoje! — Merida cruzou os braços em protesto.

— Achas que nos apetece? — Ella juntou-se à insatisfação.

Depois de uma repreensão pela nossa conversa fiada, contrariámos a nossa vontade. Ainda incerta de como reagiria a esse esforço, comecei devagar; não queria ficar maldisposta em frente de toda a gente. Contudo, ainda que nas primeiras voltas a minha cabeça estivesse mais leve, inspirei bem fundo e continuei durante mais um pouco. Não era tão difícil assim, só tinha de me concentrar e ignorar por mais um pouco a visão turva.

Esquerda, direita. Esquerda, direita, só que mais depressa. Tu consegues, pensei.

India? — As vozes estavam estranhamente distantes.

— Afastem-se todos!

Quando despertei, encontrei um armário com alguns medicamentos e uma janela entreaberta. Não demorei a perceber que estava na enfermaria. Soprei por esse mesmo facto e quis levantar-me, mas uma voz familiar surpreendeu-me:

— Finalmente acordaste.

Apoiado na ombreira da porta estava o rapaz persistente de ontem. Que raio estava ele a fazer ali? Mirei-o, à espera de responder à minha pergunta sozinha, mas nada nele me ajudou a perceber porque estava ali com um sorriso divertido ainda de cabelo despenteado.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora