India
Discutia com a televisão ao ver o personagem principal do filme a entrar no quarto onde claramente estava o assassino. Tratava-se de uma tarde igual às outras. Sozinha, na companhia dum filme, esperei que a minha família regressasse. Nas mãos tinha o comando à espera das cenas assustadoras para as passar à frente, e na cabeça o Michael.
Os dias passaram sem desentendimento ou problemas de qualquer natureza; o acordo entre mim e o Michael rapidamente mostrou ser a chave para todos os problemas que afluíram. Estava feliz por não haver nada que arruinasse aquela nossa estabilidade, à exceção das vezes em que o meu subconsciente traía a minha vontade...
Michael veio até mim enquanto ajeitava o cabelo esverdeado. Ficavam-lhe bem o blusão dos Metallica e as calças igualmente pretas. Mal o vi, um estúpido sorriso desenhou-se na minha cara. Repreendi-me imediatamente por tê-lo feito.
— Nem sei porque te dás ao trabalho de arranjar o cabelo. Está sempre despenteado. — Apontei e ele gargalhou.
— Como estás? Pronta para o teu teste de Cálculo?
— Uh, nem me fales... E tu como estás? — Andámos lado a lado.
— Cheio de sono — declarou no meio de um bocejo.
— Problemas em dormir sozinho?
— Não, já estou habituado. Só fiquei acordado até demasiado tarde.
— Ousou fitar-me mais uma vez. — Mas se estás tão preocupada comigo, podes simplesmente fazer-me uma visita.— O quê? Eu? — Ele pareceu divertir-se com a minha atrapalhação.
— Só quero dizer que gosto da tua companhia. Devíamos estar juntos mais vezes.
Passei a mão pelo cabelo, agitada, ao recordar o que ele dissera. Devíamos estar juntos mais vezes? Em sua casa? Sozinhos? O que queria aquilo dizer? Tentei controlar a minha mente impertinente, mas logo perdi o controlo sobre os meus pés que me levaram até à janela por causa da mera possibilidade de o ver atravessar a rua. Tinha as unhas entre os dentes e os braços arrepiados pela sorte que seria encontrá-lo, mas acabei por suspirar; as minhas ações não correspondiam à racionalidade que normalmente me acompanhava. Tive de parar. Dei dois passos atrás, pronta para regressar ao filme e ao sofá, mas logo bateram à porta. Sustive a respiração, incerta se ele conseguira pressentir a minha ânsia em vê-lo... só isso explicaria o porquê de ele ter aparecido à minha frente.
— Michael?
— Olá. — Os seus olhos apertaram-se num sorriso. — Estás sozinha?
— Sim e estava a ver um filme. Queres entrar?
— Não, não. Vim buscar-te para um passeio. O tempo está ótimo e céu azul. — Apontou para o céu descoberto.
— Um passeio? Onde?
— Depois vês. — Mordeu o lábio, divertido. — Anda, tenho o carro estacionado aqui perto.
Ergui uma sobrancelha. Um passeio no seu carro? Michael segurou a minha mão sem me dar oportunidade para ripostar. Apesar de aquela não ter sido a primeira vez que as nossas mãos se tocaram, dei por mim com o coração numa bateria assustadora; afastei-me um pouco. O seu carro cheirava a novo e não tinha nenhuma partícula de pó à vista ou nenhum risco na pintura. Michael iniciou a condução pelas estradas e a música rock logo ecoou, mas ele cantarolava ainda mais alto a melodia de todas as canções. Michael não tinha feito nada para que eu estivesse desconfortável, mas essa sensação não me abandonou. Não era a primeira vez que estávamos sozinhos, muito menos a primeira vez que ele cantarolava, mas era a primeira vez que estávamos os dois assim tão sozinhos. Contudo, no instante em que o solo de guitarra e a voz do meu tão apreciado vocalista surgiu, cessei todos os meus pensamentos para o olhar, boquiaberta.
— O que foi? Não gostas?
— Não gosto? Só podes estar a gozar! — tinha os meus olhos arregalados pela grande coincidência. — Esta é apenas uma das minhas bandas favoritas!
A sua cara iluminou-se. — A sério? Então deves conhecer esta de certeza. — Mudou de canção.
— Fácil... É a Jamie All Over! — Os nossos risos fundiram-se, ressoando através das janelas abertas.
— Devo admitir que estou admirado. Nunca pensei que uma rapariga como tu viesse a gostar deste tipo de música.
— Como assim "rapariga como eu"? — Séria, mimiquei umas aspas com os meus dedos.
—Tu sabes, irritante e mimada... — falou sem qualquer inibição.
— Irritante? Mimada? — Bati no seu ombro freneticamente. — Achas que sou irritante? Pior ainda, mimada?
— Sim — confirmou com um riso. — O que não significa que não goste.
A minha cara incendiou-se de vergonha. Gostar... de mim? O meu corpo congelou inesperadamente.
— Acho que é óbvio, não? Como poderia ser amigo de alguém que não gostasse? — Rematou.
Oh... claro. Amigos. Gritei comigo mesma, bati-me e quis escavar um buraco pelo embaraço provocado pelos meus pensamentos ousados. Foi melhor manter o meu silêncio, não fosse arriscar dizer uma tolice antes de pensar. A música continuou e estava decidida a focar-me na melodia, mas o Michael tinha outras ideias em mente:
— Estamos a fazer as coisas bem, não achas? — Ele não tirou os olhos da estrada.
— Porquê a súbita pergunta? — Retorqui. — Eu diria que sim, não achas?
Desviou a sua atenção da estrada para me dar um sorriso mais contido do que o seu habitual. Voltou ao seu velho hábito de me fixar para depois responder:
— Sim, também acho.
Não demorou muito mais até ele estacionar o carro junto à baixa da cidade. Percorremos quase todas as ruas durante a meia hora que se seguiu até que o céu começou a ficar carregado e antevimos uma grande queda de chuva. Michael falou-me sobre a sua vida na Austrália e das saudades que sentia do seu melhor amigo, Luke. Também me contou sobre as asneiras que fazia na escola mais novo e sobre a quantidade de vezes que foi parar ao gabinete do diretor. A maneira como ele sorria ao falar sobre o seu passado e sobre a sua terra-natal fez-me esquecer do frio e dos limites do nosso acordo. Por mim, poderia passar o resto do dia sentada a ouvi-lo falar até sobre o tempo.
Eu derreto-me sempre que escrevo sobre eles, melhor ainda quando os imagino aqui à minha frente ahaha!
Curiosidade: Vocês costumam ler enquanto ouvem música? Se sim, quais são as canções que ouvem ao ler a Sick? Sempre tive curiosidade em saber :p
Com amor,
MukeCakesauce
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SICK. - 3 Caminhos Cruzados
Fanfiction| História premiada por um Watty 2015 na categoria de Melhor Fanfiction | Primeiro volume da trilogia SICK. Na cidade chuvosa e melancólica de Fall River, três adolescentes estão prestes a ter suas vidas entrelaçadas de maneiras inesperadas. India...