Nova chama de esperança

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Calum

Era preciso ser paciente. Maggie ainda não aceitara de bom grado a minha relação recém-recuperada; temia que isso fosse abalasse o seu lugar ao meu lado. Quando encontrei a coragem para lhe contar, a dona dos olhos rasgados bufou, revirou a casa do avesso e gritou comigo, acusando-me de toda a ingenuidade e imprudência no mundo. Não lhe devolvi a frustração nem a injustiça que foi ouvir aquelas palavras. Deixei que me batesse, que secasse as suas lágrimas na minha camisola e que adormecesse agarrada ao meu braço; não me queria deixar ir. Poupei-lhe também certos detalhes como a sua avançada gravidez e a sua pobre saúde, não fosse isso despoletar mais alguma crise de ciúmes.

Naquela noite era só eu e as quatro paredes, rodeado pelos meus pensamentos. Ainda me custava a crer que o passado tinha voltado ao presente. Todos os dias — pelo menos aqueles em que as circunstâncias assim o permitiam — prestava-lhe uma visita. Eram encontros inocentes, ausentes de qualquer malícia ou segundas intenções. Pude ver no seu olhar o quão desesperada estava por companhia, sedenta de calor e de alguém que lhe pegasse na mão enquanto adormecia em frente à televisão. Face a tal situação e incapaz de negar o afeto por ela ainda escondido nos confins do meu ser, segurei-lhe a mão. Sacudi a cabeça, tencionava afastar certos pensamentos que me assombravam; não queria voltar a cavar um buraco fundo para onde seria atirado quando ele chegasse.

Ele deve estar a morrer de saudades tuas — dizia-lhe. Apalpava o terreno, subtilmente, à espera que me dissesse aquilo que queria ouvir. No entanto, só me respondia:

Não quero falar sobre isso.

Não conseguia parar de pensar sobre como nada deveria ter chegado àquele ponto ou, se assim estivesse predestinado, que eu fosse a sua outra metade. Ao contrário dele, não a teria deixado voltar sem os meus dedos enrolados nos dela. Tínhamos uma amizade profunda, intensa e especial. Estava seguro de que ele não voltaria porque, se tinha sido capaz de a mandar embora assim tão friamente, porque haveria de voltar? Só se fosse um ser humano ainda mais cruel do que imaginei...

Com o tempo, Margaret habituou-se ao medo que lhe perseguiu durante os primeiros dias da nossa reaproximação: não me era feito o mesmo inquérito sobre onde ia, com quem me iria encontrar e com quem tinha sonhado na noite anterior; perguntas às quais as respostas eram muitas vezes camufladas por uma mentira branca. Não sabia dizer se a sua confiança tinha regressado, ou se apenas procurava esconder as suas preocupações e ânsias bem longe de mim, trancadas num espelho que só via as suas lágrimas no alto da noite.

Despertei com a luz ao fundo do corredor acesa. A minha visão ainda turva impossibilitava-me de entender o que se passava, mas logo percebi que Maggie tinha ido à casa-de-banho. Em situações normais não me importaria com esse aspeto, deixar-lhe-ia acompanhada pela sua privacidade, contudo houve algo que me disse que era melhor verificar se, de facto, estava tudo bem. Pé ante pé aproximei-me dos soluços e do fungar escondidos atrás de uma porta encostada. Pelo sono que ainda me possuía, não pude compreender porque estaria ela a chorar no meio da noite, por isso, espreitei. O seu cabelo desgrenhado estava preso num coque, a sua face livre de qualquer disfarce estético encontrava-se vermelha, vi no espelho o reflexo dos seus olhos inundados e as veias salientes na sua testa; Maggie estava chateada, irritada, furiosa; ela estava todas as palavras sinónimas de fúria. A vontade de entrar por lá dentro, agarrar-lhe nos esguios ombros e abaná-la, gritar-lhe que estava a ser irracional e desnecessariamente preocupada era grande, mas contive-me. Era prudente fingir que não tinha visto nada e que durante todo aquele tempo tinha estado a dormir.

— Como se conheceram? — India gostava de me perguntar.

Não era a primeira nem a segunda vez que queria ouvir-me falar sobre mim e sobre Margaret.

— Foi numa festa. — Contei-lhe. T

Tinha o cuidado de saltar para as partes que realmente lhe interessavam, tais como quando Maggie me segurou pela mão e levou-me pelas escadas acima.

— Ela foi tão corajosa — era a sua resposta comum. Não podia discordar. — Se fosse eu, não teria tido a coragem para falar com alguém tão abertamente.

— Ela é especial.

India sorria quando usava estas palavras, principalmente "especial". Sempre quando lhe perguntava porque sorria de orelha a orelha, escondia o brilho nos seus olhos e dava de ombros, mentindo:

— Por nenhum motivo.

As breves horas que passava na sua companhia eram escondidas de Margaret. Não era adepto de Maggie saber que até me sentava à mesa com a sua mãe, a falar sobre os bolos de Jeff e sobre vidas que não vivi em Nova Zelândia. Leah sempre ria alto quando lhe contava sobre os breves encontros com os coalas; dizia-me que parecia ser uma versão moderna de Mogli. Muitas das vezes nem esperava por uma encomenda, reservava apenas um par dos deliciosos rolos de canela para depois bater à sua porta e ver o seu sorriso cada vez mais escasso.

Num desses dias, quando me ofereci para preparar o chá e o café, apanhei Leah a sussurrar:

Quem diria que ele seria um rapaz tão simpático? Visualizei as sobrancelhas arqueadas, sinal de entusiasmo de Leah, quando India escondia um sorriso. Tão nobre, sempre faz caso de ti. Talvez esta seja a tua chance de esqueceres o...

Mãe. Ele tem namorada... Por favor, fala baixo.

India reclamou, impedindo-a de seguir com o bom discurso. Não pude deixar de sentir o calor nas minhas bochechas e de sorrir pela mera sugestão de Leah. Respirei fundo e segui caminho com as bebidas quentes nas mãos.


Com amor,

MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora