Vida airada

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Michael

O tempo permaneceu quente da mesma forma que a loja de ferragens continuou monótona. A única coisa mutável era eu; já não era o mesmo. Nunca fui uma pessoa de pulso firme, muito menos capaz de impor a minha vontade acima da de outrem; é sabido que nem sempre foi assim, especialmente nas fases iniciais de quando a conheci, mas é justamente disso que se trata. Foi uma daquelas alturas em que, quando alguém é sujeito a tais experiências de vida, dá-se um momento de transformação e de mudança: eu e ela já não éramos as mesmas pessoas que éramos no início. Por outro lado, se havia algo que eu era, era teimoso. Sempre fui teimoso, mas, naquele dia, não foi a teimosia que me levou a melhor; foram as suas palavras. Mesmo que quisesse ou não o admitir, ela tinha razão. O meu coração ainda batia incansavelmente por ela porque sempre pensava no quão sortudo era por a ter ao meu lado todas as noites. Eu amava-a, mas, se aquele era o seu desejo, então eu tive de a deixar ir.

— Posso entrar? — Luke bateu à porta do quarto.

Já não fazia sentido continuar naquela casa sozinho, por isso, Luke insistiu para que aceitasse ficar em sua casa. Explicou-me que o seu irmão estava no estrangeiro e que só vinha a casa em épocas festivas, pedindo-me então para que ocupasse o beliche vazio no seu quarto.

— Estava a pensar em sair com o grupo de natação, queres vir também? Podia fazer-te bem, nem que seja para aliviar a mente.

— Luke — chamei-o. Fitei as ripas de madeira no beliche de cima.
— O que é que eu faço agora? — O rapaz alto tinha uma cara lamentável. Sentou-se ao meu lado.

— Acho que tens de aceitá-lo. — Ele também abanou a cabeça em negação. — Ora, eu nem imagino o que é estar sem alguém com quem sempre estive durante tanto tempo, ainda por cima depois de uma história como a vossa...

— Como é que alguém pode ser tão cruel? — O meu sangue fervilhou. — Como é que ela pôde ser tão cruel? Enfeitiçar-me, conduzir-me à loucura e obrigar-me a atravessar meio mundo para depois deixar-me!

Eu sei que não foi bem assim que a história se sucedeu, contudo, a boca fala quando o coração não sente. Luke tinha razão, mas eu estava zangado.

Oh, como estava zangado.

Algo me corroeu ao longo daqueles longos dias desde a sua partida, a contar desde o momento em que saiu pela porta fora sem nunca se atrever a olhar para trás uma última vez. Ali, prometi-me que não voltaria a deixar Sydney; ficaria preso a uma vida que acabaria por criar sozinho sem a sua ajuda. Quem sabe, talvez a separação não tivesse sido para o melhor? Estava na hora me focar em mim e na minha própria felicidade. Foi meio dito, meio certo.

Aproveitei todas as circunstâncias e convites de Luke e dos seus colegas de natação que, sem grande demora, se tornaram amigos meus também. Naquela tarde tinham combinado encontrar-nos nas docas, um lugar típico para encontros noturnos nas redondezas. De cabelo escuro e de roupa com igual tom, estava pronto para sair e conhecer pessoas novas. Não me orgulho de quem fui durante esse período: noites foram passadas num remoinho de pessoas, camas partilhadas com estranhas e bocas beijadas com breve e alheia emoção; estava dentro de um círculo vicioso que me levava a procurar por alguém que pudesse preencher o vazio que deixado por ela.

— Estás bem? — a voz aguda da dona dos cabelos ruivos soou.

Enrolada no lençol, mapeava o meu peito com a ponta dos seus dedos. Soprei, afastando o seu braço, e procurei pela minha roupa. Remexeu-se na sua cama, depois plantou-se à minha frente. Tinha os braços sardentos cruzados e as sobrancelhas finas erguidas, provavelmente a reprovar a brevidade da minha estadia.

— Por que estás sempre com tanta pressa? Ainda agora chegaste.

— Eu sei, mas lembrei-me que ainda preciso de voltar ao trabalho. — Apertei o botão das minhas calças e ajeitei o meu cabelo. — Fica bem.

Abandonei o seu quarto, mas não sem antes ouvi-la resmungar pela minha saída apressada. Eu não gostava dos momentos intermédios em que o desejo físico desaparecia e restávamos só nós deitados, lado a lado, com ela a imitar o olhar carinhoso e o sorriso quente de India; não queria associá-la a alguém tão insignificante quanto a rapariga cujo nome já nem me lembrava. Não sabia como sairia de um fosso tão profundo assim quando o único amor que alguma vez conheci tinha partido, e, mais uma vez, o risco de me perder à procura de amor em alguém era descomunal.


Com amor,

MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora