Ciclos

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Michael

O desassossego não se foi embora nunca. O meu pai poupo-me os comentários e as repreensões que deviam estar já na ponta da língua, prontas para serem ditas; encarregou-se de pegar no telemóvel e resolver a confusão. Ainda que insistisse em resolvê-lo pelas minhas próprias mãos, ele fez-me ver que não seria o melhor. Usou os seus trunfos habituais, informando a pessoa do outro lado da linha de todo o dinheiro que tinha e que seria empregue num advogado. Por outro lado, a minha mãe estava nervosa, atrevo-me a dizer que o seu nervosismo ultrapassou o meu. Soprava a torto e a direito, bebia um valente gole de vinho e tornava a sentar-se à minha frente.

— Em que estavas a pensar? — Tinha as sobrancelhas erguidas e os olhos irritados. — Ainda agora chegaste e já armaste uma confusão destas!

Linda tornou a encher o seu copo. Preocupava-se com aquilo que as suas amigas poderiam dizer, caso viessem a saber do escândalo por mim criado. Massajava as têmporas e empinava mais um gole.

— Desculpa, mãe. Foi mais forte do que eu, foi o...

— Michael. — Pousou a mão na cintura a andar para trás e para diante. — Não é a mim que tens de pedir desculpa, mas sim a todos os que assistiram ao teu espetáculo...

Linda deixou-me a sós com a minha consciência pesada. Apressou-se em colar as orelhas à porta do escritório a tentar descodificar qual seria o veredicto da negociação com o hospital. Enterrei a cabeça pesada entre as almofadas peludas, arrependido por não ter conseguido manter a minha calma perante os velhos truques de Calum; se não fosse pela sua intrusão, teria tido todo o tempo para me sentar com ela, pegar-lhe na mão e explicar tudo. Mas, ao saber que ele lá estava a convite seu, escapou-me a razão. Será que se tinha esquecido de tudo o que ele nos tinha feito? Há quanto tempo estavam juntos? Será que tinham mesmo estado juntos? Sacudi as imagens de India nos seus braços, deserta de carinho e de companhia. Ainda que lhe quisesse julgar, não o podia fazer; não foi como se tivesse agido de forma diferente. Aliás, devo ter agido igual ou pior. Procurei respirar fundo e esperar pelo melhor. Não adiantava de nada estar a matutar no que devia ter feito ou não se a minha cara estivesse afixada em todos os placards com uma legenda "Proibida Entrada".

Segui pelo corredor fora, pronto para obter alguma novidade, mas foi quando os meus pais vieram ao meu encontro, ambos cabisbaixos; Linda tinha os braços caídos lado a lado e o meu pai suspirava demasiadas vezes. Inquieto, fitei-os impaciente. Foi quando ela disse:

— Querido...

Detestava quando a Linda me chamava de querido, especialmente se essa palavra vinha acompanhada de um semblante receoso; adivinhava sempre uma má notícia. O meu coração parecia engolir-me a cada batida pesada sem saber o que poderá ter acontecido. Desesperado, olhei o homem calvo que abanava a cabeça.

— Há boas e más notícias. — Sem deixar-me escolher qual delas preferia ouvir primeiro, continuou. — Falei com o hospital e ficou tudo esclarecido.

À medida que deixou as más notícias esvoaçarem, perdi a minha cabeça. Estava desorientado, sem saber se agarrava primeiro nos sapatos ou se procurava pela chave do carro. Linda, preocupada comigo, buscou o meu casaco e pediu ao meu pai para que me levasse ao hospital novamente.

— Vou a casa da Leah. Eles devem estar a precisar de apoio agora.

Posto isto, o meu pai arrastou-me porta fora até ao carro. Não fui capaz de dizer nada por estar ainda atordoado com as novidades que afluíam com grande abundância. Mordiscava as minhas unhas com uma perna agitada, impaciente para que o trânsito descongestionasse. Com os quatro piscas, fomos alvos de apitos e de obscenidades na estrada, quando o meu pai desatou num riso:

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora