Ninho desfeito e um peixe

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Calum

Tudo se resumiu a caos, dentro e fora de mim, gerado pelas minhas mãos sempre tão capazes de destruição. Tinha em mim todos os motivos para arruinar tudo o que me rodeava dentro daquelas quatro paredes que me pareciam engolir sem qualquer dó nem piedade.

— Calum, o que raio se passou aqui?

Preocupada, abriu a porta para me encontrar sentado no chão, derrotado. As suas sobrancelhas grossas estavam juntas, a temer pelo pudesse ter acontecido. Correu até mim, tomando as minhas mãos magoadas nas suas, à procura de qualquer outro hematoma escondido por debaixo da minha roupa. Depois, quando os seus olhos escuros encontraram os meus, temeu pelas lágrimas que me inundavam; secou-as, murmurando:

— Quem é que entrou aqui? Magoaram-te?

Como pôde ela não achar que não tinha sido eu o autor? Como pôde ela pensar que foi necessário um estranho entrar ali, no nosso ninho, para destruir tudo o que havíamos construído? Foi-me impossível encará-la. Acreditei que os meus pensamentos falariam mais alto. Sem nada mais dizer, levantou-se e amarrou o cabelo. Pousou a mala na cama, arregaçou as mangas e começou a apanhar os cacos espalhados por todos os cantos. Ainda que me quisesse levantar e impedir-lhe de pegar em mais um vidro estilhaçado, não consegui; estava condenado a um estado de petrificação e de apatia doentia.

— Margaret... — não me pareceu ter ouvido, então insisti. — Maggie.

— Não. — Impávida, voltou-se. Os seus olhos estavam como os meus; vermelhos e molhados. — Não precisas de me dizer nada. Parece que já soubeste.

Fitei-a, incerto sobre a que se referia, quando rapidamente fiz as contas. Apesar de me esquecer, Margaret Brown era perspicaz e, ainda que houvesse muito que não lhe contasse, ela acabava sempre por saber. Ela respirou fundo, prosseguindo:

— Eu aceitei-te tal como tu eras. Eu dei-te tudo, deixei que vivesses comigo, ajudei-te com todos os teus planos, mas parece que ainda assim não valho nada. Não sou suficiente para ti.

— Não digas isso. Sabes que não é verdade. — Gatinhei para mais perto. — Vales tanto... tu és tudo para mim.

— Então por que raio ela ainda te afeta tanto assim?! — Exasperou. — Ela pode estar a milhas de distância, mas tu não consegues esquecê-la; mesmo quando eu estou aqui ao teu lado.

Quis abrir a minha boca para dizer algo, possivelmente mais um conjunto de palavras bonitas e promessas alheias, mas não consegui. Achei até que puxá-la para mim e enchê-la de beijos fizesse diferença, mas Maggie não me deixou. Ao invés, limpou a sua cara e aclarou a garganta, dizendo:

— Pelo menos, eles conseguiram seguir com as suas vidas. Sugiro que faças o mesmo.


India

Os dias passaram cada vez mais devagar. Cheguei até a pensar que tinha enlouquecido, incapaz de distinguir o dia de ontem do de anteontem: as manhãs eram ocasionalmente ocupadas com cansativas sessões de tratamento, as tardes preenchidas com curtas – embora frequentes – visitas de Luke e, por fim, as noites eram agraciadas pelo retorno de um Michael cansado pelo trabalho.

Encontrava-me numa dessas tardes. Após ter dois homens a convencer-me de que vitamina D era essencial, Michael implorou-me para que eu passasse algum tempo no jardim, sugerindo que poderia ser terapêutico cuidar das escassas flores sobreviventes ao calor. Houve dias em que estava determinada em gostar de jardinagem, tendo chegado a comprar um par de luvas e uma pequena enxada. Contudo, com o tempo, desisti das luvas; preferi esgravatar na terra com as minhas próprias mãos. Naquele dia não estava com vontade de cuidar do jardim nem de encher as unhas com terra. Estava cansada, incrivelmente indisposta e maior; cada vez maior e cada vez mais débil.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora