Confiança perdida

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India

Sentavam-se comigo Ella e Ashton. Barafustavam sobre como o último jogo de futebol dos Raccoons tinha sido um fracasso, já eu contentei-me em engolir a comida insípida da cantina.

— A culpa foi do Jack. — Ashton soprou. — Se me tivesse passado a bola, tínhamos ganho.

— Tu é que devias ter sido o capitão, não ele. — Ella afagou o seu ego. — Ele não faz nada lá para além de desfilar com aquele cabelo oleoso.

Ashton desculpou-se antes de se levantar e ir buscar mais um refrigerante à máquina automática. Entretanto, Ella aproveitou a sua ausência para me perguntar:

— Estás muito calada hoje. — Torceu o nariz. — Há alguma coisa que me queiras contar?

Dei de ombros sem saber o que esperou que lhe dissesse. Desde que passava as tardes na companhia do Ash, não nos víamos com tanta frequência quanto antes. Terminei a minha sandes com os seus olhos postos em mim.

— Sobre o quê? — O seu olhar sério e preocupado falou mais alto. Logo entendi a que se referia. — Hoje, ao final do dia, tenho consulta. Sabes como são os meus pais...

Desde o desmaio durante a aula de Educação Física que os meus pais se preocuparam comigo. Tentei acalmá-los e explicar que muito possivelmente aconteceu por uma quebra de açúcar ou algo semelhante, mas preferiram que fosse um profissional a diagnosticar o que quer que fosse. Compreensível.

— Então e tu? Como está a correr o projeto?

Ela tornou a suspirar, pronta para relatar todas as novidades. Era o tema certo para mudar de conversa.

— Não vais acreditar no que aconteceu na última vez. — Sussurrou.
— A minha mãe não estava em casa e ele tocou na minha mão! Deliberadamente! Dá para acreditar?

Aceitei que a sua relação ia demorar mais tempo a madurar. Conhecendo-a ao fim de tanto tempo, sabia que tinha as suas peculiaridades e as suas linhas temporais para quando tudo deveria acontecer, e ele...bom, não era o melhor a ler os sinais.

— Olha, o Michael vem aí. — Avisou e, mal olhei para onde apontava, vi-o de capuz a correr até nós.

— Olá, malta. — Puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado. — Já soubeste das novidades?

— Sim, eles estavam ainda há pouco a falar sobre isso. — Expliquei-lhe. — Lamento que tenham perdido.

Michael não se alongou com protestos como o Ashton. Roubou uma das batatas fritas de Ella que logo o repreendeu.

— Quais são os teus planos, Clifford? — o Ashton interrogou mal regressou. — A Cathy voltou a perguntar por ti nos balneários.

Cathy? Seria ela que estava sempre com ele durante os intervalos? Era a Cathy quem andava sempre de pernas despidas pela escola? Curiosa, observei atentamente qual seria a sua resposta, mas não fiquei surpreendida quando ele disse, convencido:

— Ela tem o meu número — salientou —, mas talvez seja melhor ligar-lhe.

De nada adiantava ficar incomodada pela sua atitude. Afinal de contas, ele continuava a ser o mesmo rapaz que se perdia por qualquer rabo-de-saia.

— O que vão fazer depois das aulas? — Michael perguntou. — Quero fazer um jantar para todos nós.

— Uh, um jantar de graça? — Ash brincou. — Obrigado, meu.

— Claro, é o mínimo que posso fazer. — Voltou os olhos para mim.
— Vocês são os meus amigos.


Michael

Tinha acabado de tratar dos últimos detalhes antes que todos chegassem; não seriam muitos, mas era o suficiente para me fazer perder as estribeiras caso algo desse para o torto. Tinha o grelhador pronto, algumas bebidas mergulhadas em gelo e a cozinha livre para estarmos à vontade. Quando me ofereci para lhes dar boleia até casa, o Ashton assumiu o papel de chofer. Quanto à India, ela só tinha de atravessar a rua. Com uma buzinadela soube que haviam chegado.

— Mais depressa não tinha conduzido. — Gargalhei ao abrir-lhes a porta. — Tiveram problemas em encontrar a casa?

— Achas? — Ashton deixou outra caixa de cervejas na mesa. — Quando percebemos que vivias na mesma rua que a India fizemos uma festa.

— Obrigada pelo convite! — Mérida puxou-me para um curto abraço. — A tua casa é muito bonita.

— Bom, não é exatamente minha; é dos meus pais.

— Como queiras. — Apanhou o cabelo num coque. — Então como podemos ajudar?

Ofereci uma bebida a cada um e fingi-me interessado nas suas conversas, mas a verdade era que tinha os olhos postos na janela à espera de a ver sair pelo portão da sua casa, mas não havia sinal seu. Ao reparar na minha distração, a Ella disse:

— Ela não te disse? Ela não vem. — Explicou. — Foi a uma consulta.

— Oh, pois é. — Comecei a mentir. — Agora que mo dizes... Ela avisou, mas devo ter esquecido.

Porque não me avisou que não vinha? Agradeceria se mo tivesse dito, assim não teria comprado comida para cinco pessoas. O meu subconsciente arriscou pensar que ela não teria confiança suficiente em mim para me confiar detalhes do seu dia-a-dia, porém preferi pensar que o faria depois. Preferi pensar que se sentia tão confortável com a nossa amizade quanto eu.



Com amor,
MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora