A última gota

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India

Os dias continuaram solarengos, Luke continuou perdidamente apaixonado e Michael continuou a fingir que não estava cansado. Assim, seguindo a regra, eu continuei a mesma de há uns dias; não estava pior; o que significaria pior, qualquer das maneiras? Não quis alimentar o meu pessimismo e ignorar as ondas de bom humor que nos visitavam em determinados dias; aquele foi um desses dias.

— Eles devem chegar dentro de pouco...

Michael estava atarefado. Andava de um lado para o outro como uma barata tonta a ajeitar os guardanapos na mesa e a certificar-se que a limonada estava bem fresca. Organizava os talheres de uma maneira tão rigorosa para depois trocá-los de disposição. Vasculhou por entre os armários por duas velas e acendeu-as, mas depressa voltou a apagá-las.

— Não achas que estás a exagerar um pouco com as velas?

Ele estava demasiado concentrado para sequer dar atenção aos meus comentários dispensáveis. Dei por mim a rir por ter posto os talheres na mesa.

Quem haveria de comer pizza com garfo e faca?

— Estás curioso por saber como ela é? Depois de todas as coisas boas que ouvi...

— Sim, claro que estou. — Michael soprou. Ajeitou a caixa de papelão no centro da mesa. — Acredito que também tenha ombros tão largos quanto o Luke, visto que estão os dois na natação...

— Obrigada por teres preparado tudo. — Deixei-lhe um pequeno beijo nas suas mãos trabalhadoras. — Ficou muito bonito.

Antes que se pudesse sentar por um segundo, apressou-se até à porta ao ouvir a campainha. Aquela foi a minha deixa. Respirei fundo e forcei um sorriso antes de seguir até à entrada onde todos falavam alegremente, mas foi quando reparei na rapariga abraçada a Luke que engoli em seco. Seria natural assumir que algo de desastroso estivesse associado a Alison pela minha reação, mas não; toda a minha apreensão deu-se pelo facto de nunca ter visto alguém tão deslumbrante quanto ela. O seu cabelo escuro, farto e longo, foi a primeira coisa que me prendeu, depois foram os olhos pestanudos e o sorriso Colgate. Ao contrário das expectativas de Michael, ela não tinha ombros exageradamente desproporcionais, pelo contrário! Era tão elegante e assustadoramente atraente. Não pude deixar de sentir uma vergonha descomunal pela noção do meu pobre aspeto e da ausência de todo o brilho que nela residia. Luke tinha o braço em volta da sua acentuada cintura, claramente orgulhoso do seu par, enquanto Michael parecia estar igualmente perplexo pela sua beleza

— India! Tão bom ver-te. — Quando notou na minha presença silenciosa, Luke veio a meu encontro. — Quero apresentar-te a Alison, a minha namorada.

Alison atirou-se para um abraço e foi aí que notei o seu perfume caro.

— Estou tão feliz por finalmente te conhecer — ela disse. — Ouvi tantas coisas boas sobre ti.

Foi naquele momento que alguém no seu perfeito juízo teria dito que também tinha ouvido tantas outras maravilhas sobre outrem, mas a minha língua permaneceu presa. A verdade era que não estava mentalizada para reencontrar espírito e energia numa figura tão invejável quanto a dela. Michael, ciente do meu súbito desconforto, tratou de guiar o casal até à mesa de jantar.

— Oh, a mesa está tão bonita. — Ouvi a voz melódica ao fundo.
— Não acredito que foste tu quem a preparou.

Era factual que Michael estava deveras orgulhoso pelo seu árduo trabalho e era igualmente factual que um elogio dito por ela era soou como uma mágica e doce balada nos seus ouvidos. Sentados à mesa, Michael serviu-lhes uma bebida refrescante. Quanto a mim, limitei-me fiquei sentada a lutar contra qualquer indigestão pelo meu prolongado desconforto.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora