India
A cama era dura e o cheiro a doença dava-me voltas ao estômago. Voltei-me debaixo do cobertor de lã, tão áspero que me picava através da bata demasiado larga.
— Está na hora de comer — anunciou a maldita enfermeira. — Vá, não adianta fingir que estás a dormir, menina. Primeiro a sopa, depois temos medicação para tomar.
Soprei em derrota. Abri os meus olhos a grande custo, detestava as paredes amareladas e as portas verdes dos armários. Detestava até a existência de armários, só significavam que estaria ali por muito tempo. Ouvia as palavras do meu pai na minha mente, suplicando para que colaborasse com as enfermeiras, visto que não era a altura ideal para medir forças com ninguém; ele tinha razão.
— Bom, há um cavalheiro que está lá fora à espera de poder entrar desde hoje de manhã — a dona do queixo proeminente comentou. Certificava-se de que tudo estava dentro dos conformes, desde os fios a mim conectados até ao coração que ainda batia dentro da minha barriga.
— Ah sim? — Foi tudo o que consegui dizer ao tentar engolir a sopa intragável. — Podem deixá-lo entrar.
Satisfeita com a minha resposta assentiu. Rabiscou algo nos seus papéis e, dentro pouco, vi um Calum sorridente a entrar pela porta. Trazia consigo uma flor, um balão com uma triste mensagem motivacional e um rolo de canela.
— Eu bem que lhes disse que podia entrar, mas foram teimosas
— resmungou. Depois sentou-se ao meu lado. — Eu sei que não sou família, mas enfim.— São procedimentos. — Afastei a sopa líquida para longe de mim. Calum torceu o nariz pelo seu terrível aspeto. — Não precisavas de ter tido esse trabalho. Com tantas flores e postais, tenho a certeza de que vou ficar bem, não tarda.
Dizia aquelas juras para me obrigar a acreditar nessa possibilidade. Calum arranjou a sua flor no meio de todas as outras que tinham sido trazidas por familiares e amigos. Depois juntou o bolo a todos os outros que aguardavam pelo meu apetite.
— Conseguiste descansar um pouco? — Essa era uma das mesmas perguntas. Depois de receber a mesma resposta, perguntou outra vez:
— Estás bem?
Não entendia o porquê de alguém perguntar algo tão descabido assim. Contudo, assenti; optei por omitir-lhe todas as horas a gemer de dor, dos suores frios, dos enjoos e dos momentos em que me apagava simplesmente. Também decidi não lhe falar sobre o novo diagnóstico de ontem que, por sorte, me tinha condenado a um tempo indeterminado acorrentada àquelas máquinas.
— A Ella veio visitar-me ontem à tarde e os meus pais ficaram aqui até à noite — expliquei sob um murmúrio. — O Ashton e a Merida também vieram deixar-me uma flor, são as que têm um laço azul.
— Isso foi simpático. — Ele sorriu. Fingi-me despercebida, a evitar que Calum tornasse a tocar no mesmo botão explosivo. — E ouviste alguma coisa do...
— Não — cortei a sua resposta.
Desde que tinha chegado ao hospital, e momentos antes, sonhei dia e noite com Michael. Era natural, pelo menos assim o achava, buscar pela sua companhia e pelo seu calor, nem que fosse num mundo imaginário. Foram muitas as vezes que pensei em pedir-lhe que voltasse, especialmente quando o dia D estava prestes a chegar, mas depois pensava melhor. Porque haveria de implorar para que voltasse? Se estivesse preocupado, ou pelo menos curioso, teria pegado no telemóvel e ligado. Achei que ainda fôssemos amigos acima de tudo, mas ele deixou-me acorrentada à sua ausência.
Contudo, estava grata pelas visitas de Calum; eram longas e sossegadas. Todos os dias trazia um jogo de palavras cruzadas diferente ou então um novo filme descarregado no seu portátil; ele sentava-se ao meu lado, ambos cobertos pelo cobertor agressivo, onde eu acabaria por adormecer e ele fingiria que estava interessado num romance vitoriano. Essa foi a nossa rotina por quase duas semanas.
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SICK. - 3 Caminhos Cruzados
Fanfic| História premiada por um Watty 2015 na categoria de Melhor Fanfiction | Primeiro volume da trilogia SICK. Na cidade chuvosa e melancólica de Fall River, três adolescentes estão prestes a ter suas vidas entrelaçadas de maneiras inesperadas. India...