O luar

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India

Para variar de todas as vezes em que acordar era algo doloroso emocionalmente, naquela manhã despertei com o astral alto. Alcancei o meu telemóvel escondido entre os lençóis a desconfiar que ainda fosse cedo a julgar pelo silêncio em casa. Tinha uma mensagem acabada de chegar de Ella a dizer:

"Hoje acordei a pensar em ti, por isso, vem ter a minha casa. Vamos dar uma volta por aí."

Estava com disposição para aproveitar o tempo livre e sair. Ao levantar, fui cumprimentada pelo grande apetite, levando-me a relembrar que tinha adormecido ontem à noite antes do jantar. Foi impossível comer depois de Michael me ter beijado; só o pensamento me deixava nervosa. Em que estava ele a pensar? Como me pôde simplesmente beijar como se fosse normal fazê-lo? Afastei essas memórias, aqueles olhos esverdeados quase que me roubavam o ar nos pulmões, se lhes deixasse.

Ao avistar a casa vermelha no fundo da rua, apressei-me a bater à porta. Foi quando a rapariga de sorriso contagiante apareceu:

— Sei que é cedo e que é um sábado, mas hoje foi um daqueles dias em que acordei e pensei: que dia perfeito para um passeio! Por isso, chamei-te — falou já sem fôlego. — Espero que não te importes.

— Claro que não. Um passeio pela manhã é fantástico. Tentei convidar a Mérida, mas sabes como ela fica de manhã, especialmente aos fins de semana.

Andámos lado a lado até à paragem de autocarros mais próxima. Durante a espera fui recordada da habilidade de falar incessantemente de Ella; conseguia falar sobre qualquer assunto. Deixei que guiasse a conversa, começando por se queixar do seu trabalho part-time no novo restaurante, aproveitando-se para queixar também de como o Ashton não estava tão investido no projeto de ciências. Conhecia-a há imenso tempo, talvez há seis ou sete anos, desde que estivemos na mesma turma da escola. Logo simpatizei consigo, principalmente pelo seu sentido de humor e por quão humana era; Ella era uma das pessoas mais inteligentes e calorosas que tinha conhecido.

— Então e tu? O que tens feito?

As suas finas sobrancelhas arqueadas provocaram-me uma risada por já saber aonde ela queria chegar.

— O que queres saber?

— Bom, não sei, daí a pergunta. A julgar pela tua cara, parece que algo aconteceu.

— O quê? Impossível. — Senti as minhas bochechas aquecer pela sua perspicácia. — Bom, talvez haja alguma coisa para contar.

Tal como uma pequena criança prestes a ouvir uma história, Ella apoiou a cabeça nas suas mãos, pronta para ouvir tudo o que tinha para contar. Partilhei tudo consigo, desde as minhas dúvidas relativamente à minha amizade com o rapaz australiano e sobre a sua ousadia na tarde anterior. Desiludida por não lhe ter agarrado e espetado um beijo no sítio certo, soprou.

— Eu disse-te, mas não me quiseste ouvir. — Repetiu. — Aquele rapaz está perdidinho por ti, India. Não negues, por favor; só te faz parecer demasiado ingénua.

Revirei-lhe os olhos, pronta a deixar o assunto para mais tarde. Decidimos que seria bom passear pelo centro da cidade e receber os flocos de neve acabados de cair. Falamos que, se a fome nos atacasse, comeríamos uma boa pizza com extra queijo. Estar no centro da cidade podia ser divertido. A sua companhia era sempre agradável.

Fiz o mesmo caminho de volta a casa acompanhada pelos escassos raios de sol corajosos o suficiente por escaparem às nuvens carregadas. Era impossível não pensar sobre ele. Mesmo que fizesse esse esforço, tudo à minha volta lembrava-me de cada detalhe seu: uma árvore balançante remetia-me para o seu cabelo emaranhado; uma maçã vermelha e sumarenta guiava-me pelas memórias dos lábios que já tinham estado tão perto de mim e pelo modo como a sua língua passava delicadamente por entre eles. Sem ter a certeza do porquê de sentir o meu coração palpitar, sacudi a cabeça à espera de que isso me acalmasse. Por que haveria de pensar assim sobre ele? Chegava a ser parvo, especialmente por estar a quebrar a minha própria promessa.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora