Labirinto de emoções

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India

Eu acariciava o corpo despido ao meu lado. Gostava como isso lhe provocava efémeros arrepios. Preguiçoso, indagou como conseguia ainda estar desperta depois de tudo o que fizemos. Não lhe respondi por ser inexplicável a tranquilidade sentida com a sua pele cálida contra a minha. Estávamos tão perto que senti os nossos corações em sincronia, lembro-me de pensar em como não havia nada mais poético do que aquilo.

— Poderia ficar assim para sempre. — Murmurei.

Michael voltou-se para mim, dizendo:

— India... — principiou. — O que é que nós somos?

— Duas pessoas?

— Bom, mas que tipo de pessoas somos? — Encarei-o confusa. Ele bufou. — Somos amigos ou... somos algo maior do que isso?

— Oh...

Foi tudo o que consegui dizer. Não tinha pensado sobre aquele pequeno, embora importante detalhe, ainda que não restassem dúvidas sobre a essência da nossa coexistência.

— Diria que somos algo maior do que apenas amigos, quero dizer, olha para nós agora. — Tentei brincar, mas o Michael permaneceu sério.

— Qualquer um pode fazer isto que acabámos de fazer. Não requer muito mais do que vontade e consenso.

— Mas é claro que há muito mais do que vontade e consenso, não achas?

Os seus olhos vaguearam pelo quarto, como se procurasse por um guião para o que dizer a seguir.

— Eu amo-te, India. — As suas palavras pareceram ter aguardado muito tempo para serem ditas. — Não me interessa se isso te assusta, ou se não sentes o mesmo por mim, mas eu não quero conter-me mais. Só quero abrir-me de uma vez por todas.

— Michael... — procurei pelas palavras, mas não as achei.

— Eu amo-te. Eu amo-te, eu amo-te! — Os beijos persistentes fizeram-me rir descontroladamente.

— Eu também te amo. — Sorriu de orelha a orelha. O seu corpo rebolou para cima de mim.

— Diz que aceitas ser a minha namorada, então.

O seu pedido apanhou-me de surpresa. Primeiro, sorri feliz com a ideia, mas depressa fui assolada por uma sensação desprazível. Confuso, perguntou:

— O que se passa?

Afastei-me um pouco de si. Precisava de tempo para pensar.

— Eu preciso de apanhar ar fresco.

Esperei que aquilo disfarçasse a verdade que não me atrevia a admitir, no entanto os seus olhos atentos caíram sobre mim.

— Desculpa, eu não quis...

— Não — interrompi-o. — Não é nada a ver contigo, acredita. Só preciso de apanhar um pouco de ar.

Um peso sentou-se sobre o meu coração ao ver como o seu semblante cabisbaixo substituiu aquele outrora brilhante e entusiasmado. Michael afastou o lençol para longe e vestiu as suas roupas.

— Michael.

— Não, está tudo bem — descansou-me, mas soube que era mentira.
— Eu só preciso de estudar. Tenho um teste importante esta semana.

Foi a minha vez de procurar pela minha roupa perdida no quarto. Ele sentou-se à secretária, abriu dois longos livros e sacou um lápis. Calado, nem reagiu ao meu beijo.

— Eu volto, sim?

Velhas memórias tinham regressado; tinham estado adormecidas durante tanto tempo que já não me lembrava como era estar anestesiada pelo seu peso. Memórias em que o tinha afastado e a todos à minha volta, em que a mera ideia de ser um fardo não poderia ser engolida. Era verdade que o amava, talvez com uma intensidade ainda maior do que a sua, mas foi justamente por isso que não lhe pude dar a resposta que queria ouvir e que eu queria dar. Era difícil. Tal como ele, eu queria abrir-me, mas ao contrário dele, eu tinha medo de o fazer. Não sabia o que o futuro tinha reservado para mim e não queria trazê-lo para um mar de incerteza.

Havia algo de terapêutico em deambular pelas ruas desertas de Fall River. Não sei dizer a que se deu aquele súbito apreço, provavelmente pelo quão barulhenta e caótica estava a minha vida no momento que, ironicamente, apreciei a calma e a pacatez do lugar. Afluíam imoderados pensamentos intrusivos, um depois do outro, que me obrigaram a sair e a isolar-me um pouco mais do que o habitual. Sorri pelo vento que começava a levantar, mas logo chegou a saudade de poder ver como meu cabelo esvoaçaria ao seu compasso. Arrependo-me de não o ter usado solto mais vezes. Puxei o gorro mais um pouco e um novo suspiro escapou-me. Será que estava melhor? Essa era uma das grandes dúvidas que me perseguiam, juntamente com outras igualmente difíceis de se obter resposta.

Foi aí que decidi correr. Obriguei as minhas pernas a moverem-se cada vez mais rápido; quis atingir ao meu limite, testar até que ponto era capaz de tolerar algo tão banal como uma curta corrida até ao virar da esquina. No entanto, a familiar pontada no peito regressou. Não podes desistir assim tão facilmente, India, pensei. Repeti a mesma ação, mas fui atacada pela visão turva que sempre me traía com um repentino desequilíbrio.

— Merda! Merda! — furiosa comigo mesma, deixei-me gritar todas as obscenidades conhecidas. — Tu és fraca, desastrosa até.

As lágrimas quentes caíam e deixei-me cair no meio do descampado de relva tão alta quanto eu. Se pudesse, ficava ali mesmo, deitada no meio da natureza; deixaria de comer, de beber, de respirar até que chegasse o verdadeiro momento de decomposição natural. Sei que pode soar melodramático, mas ser humano era uma condição difícil. Perguntei-me se ele estava bem, nunca mais o tinha visto desde aquela conversa. Tentei que as suas últimas palavras não remexessem comigo, mas as lágrimas já tinham vontade própria; resolvi não lutar contra elas. Deitei-me na relva húmida e permiti que os pingos de chuva se misturassem com o meu choro revoltoso.

Por uma vez na vida, seria assim tão impossível ter aquilo que queria?

A onda de culpa atingiu-me consecutivamente pelo pensamento egoísta que era dizer que sim a Michael. Seria uma pessoa assim tão má se lhe aceitasse como meu namorado? Dei por mim a desejar por uma mente domável. Abri os meus olhos, encarando as demais gotas de chuva que embatiam no meu rosto com uma força inacreditável; quão vasta era a sua casa.

Despertei pelo desconforto que era sentir a roupa molhada colada ao corpo. Como consegui adormecer aqui? Levantei-me, pronta a voltar para o Michael. Talvez fosse pela súbita coragem e egoísmo que se infiltraram com a chuva, mas estava pronta para ele. Ignorei todos os olhares confusos e preocupados daqueles que me observavam até bater à sua porta. Tinha decidido que, bom ou mau futuro, não iria privar-me de um bom presente.

— India? — Michael encarou-me de sobrancelhas juntas. — O que te aconteceu? Estás encharcada.

Atirei-me para os seus braços. Não me importava a etiqueta que nos seria atribuída, mas sim o sentimento que só nós conhecíamos; um sentimento tão puro e tão nosso. Só sabia que não queria passar um minuto longe de si.

Com amor,

MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora