Conversas alheias

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India

A espera não parecia ter fim. Verificava o meu telemóvel, mas sem nenhuma mensagem sua. Bufei por isso. Aconcheguei o casaco e voltei a olhar à minha volta. Loucura ou não, senti que os olhares de cada aluno e de cada professor recaíam sobre mim; olhares esses com um julgamento inerente. Era loucura, sabia-o bem, mas não conseguia deixar de sentir que era tão evidente, quase como se tivesse um grande papel escrito com letras garrafais o que tinha acontecido entre mim e o Michael, mesmo que essa fosse uma hipótese risível. Ainda assim, resolvi confirmá-lo, ao verificar se, de facto, era mentira. Sobressaltada por cada carro que estacionava ou por cada passo que vinha na minha direção, resmunguei pelo meu nervosismo; podia ser ele. Ainda tinha dificuldades em acreditar que tinha acontecido.

Desde aquele dia que não o vi. O fim-de-semana foi passado a evitar a janela do meu quarto ou evitar idas à caixa-do-correio; no fundo, tudo o que implicasse a mera possibilidade de nos encontrarmos. Todavia, mesmo que o desejo em permanecer desaparecida fosse de uma escala astronómica, sabia que não podia nem queria fazê-lo para sempre porque, apesar da vergonha, fora uma boa experiência.

— Bom dia. Não precisavas de esperar cá fora, está tão frio.

Calma, coração... por favor.

— Ah. — Agarrei-me à mochila. — Preferi esperar aqui, lá dentro há sempre tanta confusão.

Gargalhou pela minha resposta atrapalhada e fui surpreendida pelo seu toque na minha cintura. Não precisei de um espelho para saber que uma tez avermelhada tinha substituído a minha já crónica palidez. Era inevitável, por isso, tentei manter a minha respiração o mais calma possível. Pelo menos ia tentar.

— Não te vi durante o fim-de-semana inteiro — constatou. — Estavas a evitar-me?

Pfff... evitar-te? Por que haveria de o fazer? Não faz sentido nenhum.

O meu riso nervoso denunciou as minhas pobres qualidades de atriz. Tinha aprendido que ele precisava de um café todas as segundas-feiras, logo pela manhã, para que a semana começasse com o pé direito. Também tinha aprendido que não havia nada que abalasse a sua confiança; mesmo que o seu cabelo estivesse tingido de uma mistura de cores tão aleatória, ou então que usasse mais acessórios que qualquer outra pessoa. Ele era quem ele era sem remorsos.

— Está tudo bem? Pareces estranhamente agitada. — Bebericou o café fumegante.

— Estou bem, só nervosa por tirar este gorro da minha cabeça.

— Vá lá... Tu és a mesma India que eras de cabelo comprido. Podias até pintá-lo ou cobrir a tua cara de tatuagens assustadoras que continuarias a ser a mesma India de sempre.

Sem saber como agir perante os seus elogios consecutivos, revirei os meus olhos. Ele sabia sempre o que dizer no momento certo com as palavras certas. Deixei-me apreciá-lo mais uma vez, o que já era uma prática recorrente. Não esperei que nada tivesse mudado, mas algo dentro de mim que era despertado ao aperceber-me do quão rosados e desenhados eram os seus lábios. Uma corrente elétrica percorreu-me por todos os cantos ao ser remetida para as memórias deliciosamente atraentes que emergiam do meu subconsciente.

— Não acredito que já cá estás! Liguei-te várias vezes, mas parece que tens o telemóvel desligado. — Ella veio ao nosso encontro.
— Começo a culpar-te, Michael.

— Eu consigo lidar com essa culpa — ele brincou de volta. — Bom dia para ti também, Ella.

— Claro, desculpa. — Ajeitou os seus óculos, sentando-se ao meu lado. — Fiquei tão surpreendida por ter chegado a horas que deixei a boa educação em casa.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora