Eternidade

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India

Eram momentos como aquele que pretendia gravar na minha memória para toda a eternidade: eu e ele, sentados no seu quarto rodeados por nada a não ser pela nossa própria companhia. Não existiam palavras no mundo inteiro que servissem para expressar o quão grata estava por finalmente as coisas terem voltado ao seu rumo normal, algo que nunca deveria ter mudado, se me perguntarem. Aprendi a apreciar cada momento em que os nossos olhares se trocavam ou até como a sua pele se arrepiava com o meu afeto e, por mais mundano que fosse, não havia nada nem ninguém capaz de arruinar esses breves, mas preciosos segundos. Não era capaz de lidar comigo mesma ao relembrar-me que eu tinha sido – e poderia voltar a ser – uma fonte de angústia e de dor para ele. Queria-o muito bem assim: pacífico, feliz e, acima de tudo, de volta para mim. Era algo que nunca havia experienciado antes, mas estava mais do que pronta para explorar cada recanto dessa nova realidade ao seu lado.

— Em que estás a pensar?

Fui interrompida dos meus pensamentos ao ouvir a sua voz aveludada. Sem ter a certeza por onde começar, limitei-me a sorrir. Infelizmente, não tinha nascido com o dom da palavra, temendo, assim, diminuir a imensidão dos meus sentimentos se ousasse explicar as emoções ao rubro.

— Podes continuar, se não te importares. — O seu sorriso tímido formou-se e não consegui conter o meu riso perante a sua atitude.

Tal como pediu, entrelacei os meus dedos gelados nos seus fios de cabelo dourados, acariciando-o. Tinha descoberto recentemente que algo tão simples quanto um carinho assim era, para ele, uma das melhores coisas do mundo. Isso e pizza, claro.

— Dentro de pouco preciso de ir.

— Relembra-me outra vez por que tens de ir até lá? — O rapaz, outrora deitado ao meu lado, sentou-se. Tentei não rir pelo seu cabelo desgrenhado.

— Eu já te expliquei antes. Já foi combinado antes e, para além disso, não perco nada em ir.

— Tens razão...

Tinha sido agendado pelos meus pais mais uma visita a um novo médico. Com tanta insatisfação e frustração pelo último diagnóstico, a minha mãe não descansou até conseguir uma nova consulta. Não era algo que me deixasse repleta de entusiasmo, mesmo que percebesse que era para o meu bem – uma frase que comecei a ouvir hora após hora. Os dias lá em casa começaram a ser sufocantes, muito pior do que já eram. Para além de ser vigiada a cada refeição e a cada comprimido tomado, tinha passado a ser um tema de conversa das horas do café e encontros entre a minha mãe e as suas amigas. Houve alturas em que não o levava a mal, especialmente nos primeiros tempos, mas a partir do momento em que os meus problemas serviram para tornar o seu tempo juntas mais interessante...

Sinto urticária só de o imaginar.

— Sempre podes levar-me? — interroguei à procura do outro par do meu sapato.

— Já disse que não havia problema em levar-te até à clínica. — As chaves do carro balançavam nos seus dedos. — Desde que me deixes esperar por ti.

Bufei pela sua insistência e evitei olhar para ele por já saber que resistir-lhe era uma tarefa difícil. Em vez disso, segui até à porta de casa, pronta para ir.

— India — chamou-me, seguindo-me. — O que aconteceu à nossa conversa sobre-me deixares entrar e estar presente?

Cerrei os olhos ao ouvir as palavras que já temia. Ele tinha razão e sabia disso. Não era a minha intenção voltar atrás na minha palavra, não depois de tudo o que construímos ao longo destes longos meses, mas não podia mentir sobre esperar que o seu esquecimento colaborasse comigo.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora