MichaelEstava deitado na cama mesmo que já estivesse acordado há algum tempo. Os cobertores já nem estavam presos ao colchão, mas sim espalhados pelo chão. Ignorei a dor nas costas pelo tempo deitado a fitar o teto hipnotizante que me trazia recordações para uma mente vazia. Vagueei pelas sensações estranhas que surgiam mal me capacitava de que já não estava em Sydney, mas sim em Fall River; já não estava no meio de tudo aquilo que sempre conhecera e que sempre apreciara, mas sim entregue à abertura de todos os estranhos que acabariam por se tornar amigos meus, esperei.
Poucas foram as coisas que me deixaram uma boa impressão desde que cá cheguei: a casa, a chuva e a India. India. Ela era, sem dúvida, o que de mais intrigante havia e que eu alguma vez conhecera. Havia algo na sua firmeza e distância que só me faziam querer conhecê-la ainda mais. Encontrei-me perdido em risos ao lembrar-me de todas as vezes que me parecia evitar, quer fosse no autocarro, quer fosse nos corredores. Decidi que lhe daria espaço, mas surpreendê-la era demasiado divertido. Recordei o modo como o seu olhar pareceu implorar-me para que não dissesse uma palavra que fosse sobre como nos conhecemos, mas confusão foi tudo o que me restou perante essa sua atitude.
Porque haveria ela de estar tão hesitante? Afinal, eles eram os seus amigos, então qual seria a razão para tanto secretismo?
Sacudi a cabeça, decidido que acabaria por lhe confrontar com todas as minhas perguntas mais cedo ou mais tarde, mas primeiro vinha o pequeno-almoço. Estranhei o silêncio em casa; aos sábados, os meus pais costumavam ouvir a televisão demasiado alta para o meu gosto, mas todas as minhas dúvidas foram esclarecidas quando avistei um pequeno papel colorido colado no frigorífico.
"Fomos às compras. Deixei-te uma omelete." – Mãe
— Perfeito. A manhã só para mim... — atirei o bilhete para o lixo.
Gostava de ter espaço para mim, mas sentia falta dos momentos em que estávamos sentados à mesa a trocar conversas sobre os nossos dias. Teria gostado de lhes falar sobre a equipa de futebol. Acompanhado pelo silêncio que resultava de estar só, chegaram as saudades da antiga vida sob o Sol australiano.
Não queria deixar o meu país, o meu melhor amigo e a minha família; apenas recusava-me. Contudo, como já era hábito lá em casa, a opinião de Michael Clifford não contava absolutamente o mínimo. No dia em que chegámos, a sensação foi do mais amargo possível. Estava no carro com os auscultadores a deixar que Mayday Parade acalmassem a minha revolta. Já com saudades do mar e do calor, suspirei. Senti a mão da minha mãe no meu joelho para me chamar:
— Já estamos quase a chegar!
— Que bom... — Ofereci o meu melhor sorriso perante o seu entusiasmo tão facilmente detetável.
À medida que a melodia escorria pelos meus ouvidos, surgiu diante de nós um grande bairro repleto de casas com fachadas praticamente iguais e, ao reparar no grande camião em frente a uma delas, soprei pelo inevitável. Obstinado, bati com a porta do carro ao sair. O ar frio e desconcertante de outubro quase congelou o meu nariz e puxei o casaco para mais perto. Todas as casas eram idênticas, os passeios eram decorados com árvores cercadas e o chão estava imaculadamente limpo. Reparei até num casal que passeava o seu cão vestido com uma camisola tricotada. Ridículo, pensei, mas a minha atenção foi logo raptada ao ver um carro estacionar numa das casas em frente à minha. De lá saíram duas crianças a correr uma atrás uma da outra; logo depois uma senhora apressada e, por fim, vi uma rapariga. O seu cabelo era longo e escondia o seu perfil, mas graças ao vento que brevemente soprou, tive direito a um curto vislumbre seu.
— Michael! — ouvi o meu pai, que me fez sinal para entrar.
De nada servia fantasiar sobre o passado quando o presente estava tão longe de um futuro ideal. Desde o dia em que lhe vi que soube que tinha de a conhecer; talvez essa motivação se deu pela súbita realização de que estava sozinho, ou talvez não. Talvez houvesse mesmo algo a puxar-me para ela. Qualquer das maneiras, era engraçado meter-me com ela. Quando vi que estava no mesmo autocarro que eu, não quis perder a oportunidade para a conhecer, mas nunca esperei que ela fosse tão...difícil.
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SICK. - 3 Caminhos Cruzados
Fanfiction| História premiada por um Watty 2015 na categoria de Melhor Fanfiction | Primeiro volume da trilogia SICK. Na cidade chuvosa e melancólica de Fall River, três adolescentes estão prestes a ter suas vidas entrelaçadas de maneiras inesperadas. India...