À beira-mar

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India

Tudo sobre aquela tarde passou pela minha mente como um filme: as belíssimas árvores carecas, a relva alta dançante e os olhos claros de Michael, serenos e esperançosos pela possibilidade de aproximação entre nós. Ainda que não entendesse o porquê da sua teimosia, estava grata pela atenção. Já fazia tanto tempo desde que alguém mostrara tanto interesse em mim quanto ele. Mas como era suposto fazermos? Ele não acabaria por se sentar comigo todos os dias no meu apertado círculo, pois não? Espero que não, pensei. Depois de o ver na equipa de futebol e como ele parecia tão habituado a ser o centro das atenções, não tinha a certeza se aquela nossa amizade fosse uma ideia muito boa... como iam todas as outras raparigas reagir se o vissem comigo? Ainda acabaria por ser a razão por que ele perderia toda a sua recém-conquistada popularidade. Sacudi a cabeça a fim de afastar esses pensamentos; ultimamente eram o foco da minha distração.

Por ser sábado e por ter de ocupar a minha mente deambulante, decidi que era altura de organizar o meu quarto. Ao reparar na pilha de roupa que aumentava a cada dia na triste cadeira, nos livros desorganizados e na tralha acumulada, um grande suspiro de cansaço prematuro escapou-me. Amarrei o cabelo e aumentei o volume da música que tocava no leitor de CDS. Ao fim de algum tempo, quando tudo estava devidamente organizado, reparei que o álbum de Mayday Parade repetia pela segunda vez, indicador de há quanto tempo ali estava enfiada.

— India! — a voz da minha mãe soou pela casa. — Tens de te despachar. Já estamos atrasados!

Resmunguei por me ter esquecido dos planos para a noite. A vontade de sair era pouca, especialmente pela falta de coragem em enfrentar o ar gélido do exterior. Estava grata pelo convite dos meus pais para um jantar com os seus novos amigos, mas não sabia exatamente quem acabaria por encontrar. Não que isso fosse tão importante assim; a minha maior motivação era a comida deliciosa que acabaria por chegar ao meu prato. No final, optei por um vestido preto e simples; simples, mas bonito.

No carro, aumentei o volume da música nos meus ouvidos. Sabia que a viagem seria longa e era sempre preferível ignorar as discussões entre os meus irmãos. No banco da frente, a minha mãe dava os últimos retoques na maquilhagem, enquanto o meu pai iniciava a viagem.

— Quem está entusiasmado por jantar fora? — Leah tentou fazer conversa face ao silêncio.

— Mas quem são estes vossos amigos? Conheço-os? — perguntei-lhe.

— São um casal que conhecemos quando estávamos em conversa sobre quando seria a próxima venda de garagem.

De repente, o seu interesse foi despertado para uma chamada recebida no seu telemóvel. Aceitei a breve explicação, decidida que mais valia esperar pelo momento em que chegaríamos para matar a curiosidade. Ao fim de curvas e contracurvas, avistei o restaurante de marisco ao fim da estrada. Já impaciente para lá entrar e pedir o meu prato favorito, fui invadida de imediato pelo típico cheiro intenso a mariscada. O restaurante estava particularmente cheio naquela noite, mais do que achei normal para um domingo à tarde, e foi enquanto procurei por uma mesa com o nosso nome lá rabiscado que reparei numa figura tremendamente familiar.

— Não acredito... — murmurei incrédula.

No fundo do restaurante, sentado à mesa, estava Michael. Tentei ignorar o meu coração descontrolado e as bochechas que logo ferveram, deixando-me frustrada por não entender o porquê. Tentei convencer-me de que tudo se devia à sua nova aparência. Afinal de contas, nada me podia ter preparado para um Michael de camisa mesclada e de cabelo loiro; era uma versão totalmente diferente da que conhecera. Voltei-me para indagar, esperançosa para que os meus pensamentos não se tornassem reais:

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora