Acidentes e enganos

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India

Sem qualquer permissão, a luz matinal penetrara por entre as cortinas. Reparei que Michael dormia pacificamente numa posição desconfortável; as suas sobrancelhas estavam franzidas, deveria estar a sonhar. Cobri-o com o cobertor e segui para a cozinha sem saber ao certo o que preparar para satisfazer o meu estômago revolto. Qualquer relance sobre o pão e o leite no frigorífico era o suficiente para me enjoar. Estava preocupada. Claro, a noite anterior tinha sido o suficiente para alimentar a ânsia e o nervosismo, no entanto os enjoos só agravavam o meu estado pensativo. Num primeiro instinto, apressei-me até à caixa da medicação à procura dos efeitos secundários. Desembrulhei aquele panfleto, correndo os olhos por cada alínea e a verdade era que havia uma possibilidade para enjoos e perda de apetite, mas porque estava assim somente naqueles últimos dias? Naquele mesmo instante, o meu subconsciente guiou-me pelos bons momentos vividos com Michael na sua cama.

— Oh, não... Não pode ser. — Espreitei o rapaz ainda adormecido, levando as mãos à cabeça pela breve, porém assombrosa suspeita.

Não, não poderia mesmo ser. Era impossível!

Sabia que todas as vezes em que nos tínhamos envolvido foram devidamente protegidas, e sabia-o porque certificava-me de que assim fosse. Reconheci que a incapacidade de pensar fria e logicamente era uma grande falha minha, especialmente em situações em que precisava de manter a calma e formar um plano simples: trocar de roupa, pegar na carteira e ir até à farmácia mais próxima.

Sim, é isso.

Agarrei uma caneta e deixei um pequeno bilhete a Michael a avisar que voltaria em breve com pequeno-almoço para nós. Antes de sair, olhei em meu redor: olhei para a direita e para a esquerda – mais do que uma vez – e suspirei em alívio por encontrar as ruas vazias. Era desconfortável andar sozinha pelas ruas. Depois do incidente com Calum na escola e com a foto cuidadosamente deitada em frente à minha casa, senti que me perseguiam. Explicações plausíveis eram difíceis de se encontrar, mas o meu sexto-sentido convencia-me de que havia certas coisas para as quais não havia explicação. Qualquer das maneiras, procurei relaxar; Calum não poderia magoar-me no meio da rua, rodeada por uma multidão.

Antes de entrar adentro das portas automáticas, encarei o edifício à minha frente. Puxei o meu gorro antes de lá entrar, quis ter a certeza sobre qual seria o meu discurso mal a mulher de cabelos grisalhos se dirigisse a mim. Cheguei até a procurar por algum outro farmacêutico, alguém menos intimidante do que a mulher enfezada por detrás do balcão.

— Bom dia

Os seus óculos assimétricos e coloridos estavam na ponta do seu nariz, ligados a uma pequena corda de silicone em volta do seu pescoço, e o seu sorriso era totalmente inexistente. Continuava fixada na luz do ecrã à sua frente.

— Uh, eu gostaria de comprar um teste de gravidez.

Ao proferir aquelas palavras senti os seus olhos imediatamente sobre mim. Olhou-me por cima dos óculos de sobrancelhas dedicadas em deixar-me desconfortável. Mirou-me de cima a baixo, talvez a tentar adivinhar a minha idade antes de preparar um comentário. Depois, disse:

— Quando foi a tua última menstruação?

Castiguei-me pela súbita hesitação em responder-lhe. A verdade é que não nunca tinha tido o bom hábito de seguir o meu ciclo, muito menos de me lembrar quando tinha sido a última vez. Torci o nariz e murmurei um baixo pedido de desculpas antes de procurar no meu calendário por algo que me ajudasse.

— Eu.... eu não sei.

Foi o suficiente para me revirar os olhos e ciciar. O meu coração pareceu querer explodir. Só imaginei todos os malvados cenários em que eu ainda estaria ali, prestes a receber um teste de gravidez e — graças à boa vontade do cosmo — seria brindada com a entrada de todas as amigas da minha mãe.

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora