Desentendimentos amorosos

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India

Tudo estava irreconhecível. A minha casa, para além de decorada, estava quente e com vida: a lareira acesa e o cheiro a comida quase pronta a ser servida perfumavam cada recanto; os meus pais pareciam ter rejuvenescido pela companhia dos Clifford que, no meio de histórias e copos de vinho, permitiam um ambiente leve já há tanto desejado; os meus irmãos discutiam sobre qual música natalícia seria a próxima a soar pelos corredores desta casa, enquanto eu me limitava a ficar aqui, a observar. Estavam todos cá, à exceção de Michael. Tornei a desbloquear o meu telemóvel, ainda expectante por algum sinal seu, mas nada. Quando perguntei aos seus pais o que era feito dele, responderam apenas que tinha preferido ficar em casa. O porquê de ele lá estar sozinho e não aqui connosco – comigo – estava longe do meu entendimento e isso chateava-me. Cheguei até a ponderar se estava doente, ou com qualquer outra indisposição, mas qualquer das hipóteses não justificavam o porquê de não ter respondido às minhas mensagens.

— India, querida, não fiques aí sozinha.

A sua mãe, de cabelos ruivos e com cheiro a perfumes caros, veio até mim com um sorriso pintado e um copo cheio na mão.

— Junta-te a nós perto da lareira. — Sentou-se ao meu lado no sofá. — Tenho a certeza de que tens histórias que eu e o John adoraríamos ouvir.

Soltei um riso seco pelas suas expectativas em ouvir algo interessante sair da minha boca. Não soube o que lhe dizer para além de que a minha vida tinha sido a mesma desde que me lembrava.

— Estou bem aqui, obrigada. Só estou a pensar no Michael e no porquê de ele estar sozinho e não aqui connosco.

— Então não fiques aqui a remoer no assunto! — Bebericou o seu vinho tinto. — Vai lá chamá-lo.

O meu espanto deve ter sido hilariante por lhe ter deixado perdida de risos.

— Querida, não precisas ter vergonha. O meu filho fala tanto sobre ti que às vezes sinto que somos mais próximas do que realmente somos. Por isso eu digo-te que, se fores até lá, tenho a certeza que ele vai ouvir-te melhor do que a mim.

Após um gentil empurrão para fora do sofá, agarrei rapidamente nas minhas botas e no meu casaco, fechando a porta atrás de mim. Um longo arrepio percorreu-me pelo choque térmico e bati à porta inúmeras vezes. Não conseguia esperar mais nenhum segundo para voltar a pôr-lhe a vista em cima. Tinha uma grande urgência em fazer-lhe o questionário mais longo de toda a sua vida e entender o que tinha acontecido. Quando os olhos claros finalmente encontraram os meus, não encontrei o mesmo brilho de antes. Ele estava sério, tenso e com o cabelo de uma cor diferente. O mais confuso foi a sua boca que já não lutava para esconder os sorrisos divertidos ao ver-me.

— Pensei que tinhas voltado para a Austrália — notei, cortando o silêncio confrangedor que assentou entre nós. — Depois de o dia inteiro sem notícias tuas...

Ele nada disse. Voltou-se, seguindo para a sala, e interpretei que aquela fosse uma maneira indireta de me convidar a entrar. Respirei fundo, contendo o sangue que começava a ferver pelo seu súbito desinteresse na minha pessoa. Como poderia ele deixar-se deitado no sofá?

— A sério? Não vais dizer nada? Depois de ter estado o dia inteiro à tua espera, não me dizes nada? — apontei. Ele fitava o teto. — Se é assim, então eu tenho muito para te dizer. Por que não foste lá casa? Aliás, por onde é que andaste o dia inteiro? Desde manhã que estou a vigiar a rua como uma louca à espera de te ver. Venho até a tua casa e estas são as boas-vindas que recebo!

A minha respiração alterou-se perante a sua indiferença inabalável.

Os seus olhos, baços e irritados, vagueavam pela sala. Foi quando ele se levantou, pronto a virar-me as costas outra vez, que teimei em chamá-lo.

— Michael, estou a tentar falar contigo e...

— E o quê, India?! — Estremeci pela rispidez e pelo rosto intimidante. — Eu não sei o porquê da tua indignação, muito menos da tua confusão.

Nervosa pela sua mudança súbita de humor, senti a minha boca seca e vazia de palavras que poderiam servir-me de algo no momento. Ele adiantou-se, dizendo:

— Nós não temos nada a ver um com o outro — perfurou-me com o olhar. — Entre nós não há nada para além desta interação estranha em que tu me dás esperanças, eu dou-te esperanças, mas que, no final de contas, não passa de um jogo.

Interação estranha? Jogo? Sem entender o que queria ele dizer, analisei cuidadosamente como gesticulava freneticamente e como o peito subia e descia freneticamente.

— Sabes que mais? Eu estou cansado. Cansado de te procurar e de fazer-te ver que quero algo muito mais do que uma simples amizade! — Os seus dedos emaranharam-se no cabelo, claramente frustrado, quando do nada o meu coração pulsou na minha boca. — Estou cansado de pensar em ti o dia inteiro e, ainda assim, não poder estar contigo. Cansado de sonhar em beijar-te sempre que te vejo, mas nada disto adianta porque eu não sou suficiente para gostares de mim da mesma maneira como eu gosto de ti.

O quê? Eu não quis acreditar no que ouvia. Não pude decidir se estava mais chocada pela intensidade dos seus sentimentos ou por se ter atrevido a pensar que não era suficiente.

— Não és suficiente? Como podes pensar sobre ti dessa forma? Não vês, Michael? Não é claro? Não vês o que sinto por ti? Porra, depois de todas as conversas, as saídas, os beijos... tudo!

Fui eu quem se exaltava. Não estava certa se queria rir ou chorar por ele não ver que eu estava completa, inteira e incrivelmente apaixonada por ele; tão intensamente quando ele.

— Nada disto significa algo para ti? — terminei, ofegante. O seu semblante, outrora pesado, suavizou. Escondeu a sua cabeça entre as mãos.

— É claro que significa algo para mim, India. Significas tudo para mim. Só não sei se consigo competir com mais alguém pelo teu afeto. Não sei porque pareces tão confusa. É tão óbvio que tu e ele têm uma relação bem próxima...

Não consegui conter o meu riso estridente.

Era disto que se tratava? Todo o silêncio, confusão e receio por causa do Calum?

— Ele é apenas um amigo — apaziguei o tom de voz, levando as mãos à cabeça à espera de que esta não caísse de cansaço. — Não entendo como poderias alguma vez duvidar de mim.

Michael, antes exaltado e perdido, pareceu ter-se reencontrado. Massajou a sua têmpora e dos seus lábios soltou-se um longo suspiro que o acompanhou até se sentar no chão de alcatifa.

— Desculpa, India — o seu murmúrio soou sincero e carregado de culpa. — Não sei o que me deu... como sempre vos vi tão próximos, ousei juntar um mais um e...

— Fizeste mal as contas.

A minha mão pousou no seu joelho e descansei no seu ombro confortável. Estava esgotada e cansada pela discussão desnecessária. Ainda processava todas as palavras e emoções por ele partilhadas, e rapidamente percebi que só ele conseguia virar o meu mundo do avesso, abalar o meu sossego e, como do nada, voltar a trazer-me paz. Era ele por que o meu corpo congelava sempre que tinha o meu nome debaixo da sua língua. Era ele por que os dias começavam a ter mais cor. Era ele e sempre seria ele.


Com amor,
MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora