Escura tentação

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Calum

Ajeitei-me entre os cobertores, ainda sem uma posição suficientemente confortável. Olhei para o relógio digital ao meu lado e rabujei pelas quatro horas da madrugada cintilarem no ecrã. Tornei a voltar-me de barriga para cima.

— Malia! — bati contra a parede fina que separava os nossos quartos. — Malia, cala-te!

Cerrei o maxilar ao ouvir os risos e os gemidos inapropriados para as altas. Já não havia nada a fazer. Coberto por um terrível humor, puxei uma blusa quente pela cabeça que me desvendou a desprezada caixa de cigarros no canto do quarto. Inquieto pelo contacto inesperado, pontapeei-a para bem longe. Desviei as cortinas para ver que o céu estava escuro como breu e que todos ainda dormiam; todos menos eu e Malia, claro. Suspirei por ter de ouvir passivamente todas as suas notas de prazer com o seu novo namorado, ou lá o que ele fosse.

Fui visitado pela bonita memória de India, desde os cabelos com aroma a maçã às pequenas e irregulares sardas que pousavam delicadamente sobre o seu nariz. Tudo nela era contagiante e viciante. Tão contagiante que, mesmo sem a ter à minha frente, era impossível parar de sorrir. Tão viciante que dava por mim à sua procurar no meio da multidão, mas, quanto a isso, depressa percebi que ela era uma pessoa de hábitos e costumes rotineiros. Aprendi que o café ao fundo da rua era um dos sítios onde a podia encontrar facilmente e que passeios sob temperaturas negativas não a afugentavam. Agradecia sempre que a lembrança dela visitava-me durante as horas de inquietude, mas era importante afastá-la quando se tornava demasiado. Não queria voltar atrás e certamente não queria arrastá-la comigo para esse lugar.

Abanei a cabeça, procurando desintoxicar a minha mente dos pensamentos negativos que ameaçavam chegar. Preparei-me para encarar o frio lá fora durante uma simples, mas preciosa corrida. Pensando bem, não era tão mau assim estar acordado àquela hora; podia fingir que no mundo existia só eu e mais ninguém; só eu e o vento gelado que se cortava contra o meu rosto.

— Hoje foi mais cedo do que costume — Malia comentou ao encher a sua chávena com café acabado de fazer. Limitei-me a encará-la, incrédulo pelo comentário. — Oh, não olhes assim para mim. Na minha defesa, eu julgava-te a dormir profundamente!

— Eu estava a dormir profundamente, isso é certo, mas a partir do momento em que os teus gritos ficaram mais altos que os meus sonhos, tornou-se impossível imaginar um conceito de noite bem dormida.

Ela nada disse. Examinava o verniz roxo já descascado nas suas unhas e deu uma dentada numa banana. Eu, por outro lado, resumi-me ao silêncio enquanto enchia um copo com água.

— E como te sentes? — perguntou num tom mais sério. — Depois da corrida?

— Normal. — Dei de ombros e despi a blusa suada. — Não havia ninguém lá fora.

— Sabes que podes falar comigo. — Perante o meu silêncio, ela tornou a insistir. — Falámos sobre isto várias vezes e todos nós, incluindo tu, combinámos que tu ias falar.

Revirei os olhos por me voltar a lembrar do que eu já estava cansado de saber. Deixei o copo no balcão e abandonei a cozinha, procurando um escape à conversa. Soprei por ouvir os seus passos apressados.

— Calum, por favor. — Ansiei por paciência. — Eu estou a tentar.

— É exatamente esse o problema — encarei-a. — Não preciso que tentes. Na verdade, não preciso que faças nada. Eu estou bem, melhor do que alguma vez estive, e tudo está a correr bem.

— Como esperas que acredite nisso? Ainda ontem saíste de casa a meio da noite, não te vejo durante horas e, quando te pergunto por onde andaste, só me sabes mentir.

— Mentir? — Franzi a minha testa. — Desde quando é que te menti? A ti ou a alguém?

— Tu sabes exatamente o que quero dizer. — Sem grandes demoras, voltei a seguir até ao meu quarto, sem disposição para ouvi-la. — Tu não podes simplesmente virar as costas e fugir! Calum!

Os seus punhos batiam contra a porta trancada, seguidos por todo o tipo de obscenidades por ela bradadas. Relaxei quando percebi que se afastara, deixando-me a sós com as minhas quatro paredes. A Malia não sabia o que dizia. Quase desatei a rir ao imaginá-la enquanto alguém de moral e de bons conselhos. Por que raio haveria eu de a ouvir? Estava melhor a sós com os meus pensamentos e com os meus próprios conselhos; mais ninguém me conhecia tão bem quanto eu.

Pelo canto do campo de visão, voltei a avistar o maço de cigarros a descansar no meio da desorganização do meu quarto. Engoli em seco pela tentação, mas consegui ignorá-la; arrumei-o no fundo do armário, bem longe de mim.

Não podia simplesmente voltar atrás.


Olá novamente pessoal! Um novo pov aqui na história, o que acham desta nossa nova personagem? Quero saber tudo o que pensam eheh

Deixem os vossos comentários aí nas caixinhas :)

Com amor,
MukeCakesauce

SICK. - 3 Caminhos CruzadosOnde histórias criam vida. Descubra agora