Capítulo 5

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Ocorreu numa quarta-feira, pela manhã, na segunda semana, quando fui à biblioteca tirar xerox para o dr. Pearlman, antes da aula das onze. Depois de uns trinta minutos de reflexos luminosos dançando na frente da vista, retornei ao balcão para devolver a chave da sala de xerox à bibliotecária e os vi ao virar para a saída. Dakota e os gêmeos, sentados à mesa onde espalhavam-se papéis, canetas e tinteiros. Dos tinteiros eu me lembro bem, pois me encantaram, assim como as canetas pretas de pena compridas, incrivelmente arcaicas e desajeitadas. Charlie usava um vestido de verão, com gola de marinheiro, e chapéu de palha, e Christian um suéter branco de tenista. Dakota pendurou um casaco tweed nas costas da cadeira, expondo diversos rasgos e manchas do forro. Debruçada, com os cotovelos sobre a mesa, fios de cabelo caídos na testa, as mangas da camisa amarrotadas. Eles falavam baixo, as cabeças quase a se tocar.

Quis saber, repentinamente, o que diziam. Segui até a estante de livros atrás da mesa deles - disfarçando, devagar, como se não soubesse bem o que procurava - até que cheguei perto a ponto de poder tocar o cotovelo da Dakota, se quisesse. De costas para eles, apanhei um livro ao acaso - um texto ridículo de sociologia - e fingi estudar o índice. Análise secundária. Desvio secundário. Escolas secundárias. Grupos secundários.

 - Não estou bem certo quanto a isso -, Christian dizia. - Se os gregos velejam para Cartago, devemos usar o acusativo. Lembram-se? O local pra onde? Assim manda a regra.

 - Não pode ser. - Era Dakota. A voz anasalada, tagarela, como W. C. Fields sofrendo severamente de sotaque de Long Island - Não se trata do local para onde, mas do local para, apenas. Aposto no caso ablativo.

Ouvi o farfalhar dos papéis furiosamente manuseados.

- Esperem -, Charlie disse. - Vejam isso. Eles não seguem para Cartago, apenas. Velejam para atacá-la.

- Você está louca.

- Não, é verdade. Leiam a sentença seguinte. Precisamos do dativo.

- Tem certeza?

Mais papéis agitados.

- Absolutamente. Epi to karchidona.

- Não vejo como -, Dakota disse. Soava como Thurston Howell em Gilligan's Island. - Ablativo, está na cara. Os mais difíceis são sempre ablativos.

Houve uma ligeira pausa.

- Dakota -, Charlie disse, - Você confundiu tudo. O ablativo é do latim.

- Sei, é claro que eu sei disso -, Dakota retrucou irritada, depois de uma pausa confusa, que indicava aparentemente o contrário. - Mas você sabe o que estou querendo dizer. Aoristo, ablativo, é tudo a mesma coisa, no fundo...

- Sabe, Charlie -, Christian disse, - o dativo não vai funcionar.

- Claro que vai. Zarparam para atacar, não é?

- Sim, mas os gregos navegaram pelo mar até Cartago.
    
- Mas eu coloquei o epi na frente.

- Bem, pode-se atacar e ainda assim usar o epi, mas precisamos do acusativo por causa das primeiras regras.

Segregação. Senso do eu. Ser. Consultando o índice, vasculhei o cérebro em busca do caso que eles procuravam. Os gregos navegaram pelo mar até Cartago. Para Cartago. Local para onde. Local de onde. Cartago.
       
A resposta me ocorreu de repente. Fechei o livro, devolvi-o à estante e me virei.

- Dão licença? -, falei.
       
Atônitos, eles pararam imediatamente de discutir, e me encararam.

- Desculpem, mas o caso locativo não serve?
       
Ninguém disse nada por algum tempo.
       
- Locativo? -, repetiu Charlie.
       
- Basta adicionar zde a karchido -, falei. - Creio que é zde. Fazendo isso, não precisam de preposição, exceto epi, no caso de seguirem para a guerra. Significa "Cartago, o local", de modo que nem é preciso se preocupar com o caso.
       
Charlie consultou suas anotações, depois olhou para mim.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora