Um abraço aos leitores fantasmas, sei que vocês estão aí em algum lugar.
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Naquele inverno, tornei-me especialista na invisibilidade. Conseguia passar duas horas tomando um café, quatro almoçando, sem ser notada pela garçonete. Embora os encarregados de Commons me expulsassem todas as noites na hora de fechar, duvido que percebessem que falavam com a mesma estudante. Nas tardes de domingo, lançando o manto da invisibilidade sobre os ombros, eu me sentava na enfermaria por seis horas ou mais, lendo placidamente revistas sobre medicina, minha presença ignorada com sucesso pela recepcionista, pelo médico e pelos companheiros de infortúnio.
Sempre que atravessava a ponte sobre o rio, duas vezes por dia, precisava parar e procurar na neve, na beirada da estrada, por uma pedra de tamanho considerável. Eu a levantava acima do parapeito coberto de gelo e a jogava na correnteza veloz, sendo assim para uma oferenda ao deus do rio, talvez, para obter uma travessia segura ou uma tentativa de provar que eu, embora invisível, ainda existia. O rio era tão raso e claro em certos pontos que eu às vezes ouvia a batia do fundo. Com as duas mãos no parapeito gelado, olhando a água que espumava ao passar pelas pedras maiores e fervia por entre as menores, imaginava como seria cair e rachar a cabeça numa daquelas pedras brilhantes; um estalo audível, o imediato desfalecimento, veias em vermelho marmorizando a água cristalina.
Se eu me atirasse, pensei, quem me encontraria naquele silêncio alvo? Será que a corrente me levaria rio abaixo, carregaria o corpo até o remanso, até atrás da fábrica de tintas, onde uma senhora me veria quando o farol do carro me iluminasse ao sair do estacionamento às cinco da tarde? Ou eu acabaria esquecida como as folhas da primavera que caem nos rios com a força do vento e são esquecidas pelas pessoas?
Isso aconteceu, caculo, lá pela terceira semana de janeiro. O termômetro caía; minha vida, que antes era apenas solitária e desgraçada, tornou-se insuportável. A cada dia, entorpecida, ia trabalhar e voltava, por vezes com a temperatura bem abaixo de zero, enfrentando tempestades nas quais via tudo branco e só conseguia chegar em casa acompanhando o guard rail na beira da estrada. Ao chegar, eu me enrolava nos cobertores sujos e caía no chão como uma defunta. Todos os momentos não consumidos em esforços para escapar do frio eram absorvidos pelas fantasias mórbidas à la Poe. Certa noite, em sonho, vi meu próprio cadáver, o cabelo duro de gelo, os olhos arregalados, boca roxa e dentes cerrados.
Chegava pontualmente ao escritório do dr. Pearlman todas as manhãs. Ele, que se dizia psicólogo, não percebeu nenhum dos Dez Sinais Alarmantes de um Colapso Nervoso, ou quaisquer que fossem os sintomas que ele deveria conhecer e ensinar aos outros. Em vez disso, aproveitava meu silêncio para falar consigo mesmo sobre futebol americano e cachorros que teve quando era menino. Os raros comentários a mim dirigidos eram cifrados, incompreensíveis.
Quando voltei para casa naquela noite, senti que tudo se esbranquiçava nas bordas e eu não parecia mais ter passado, nem lembranças, que passara a vida caminhando por aquele trecho luminoso da estrada sibilante.
Não sei exatamente o que havia de errado comigo. Os médicos diagnosticaram hipotermia crônica, dieta deficiente e uma pneumunia leve para complicar mais ainda. Não sei se explicam a confusa o mental e as alucinações. Na época, nem percebi que estava doente: quaisquer sintomas de febre, ou dores, passaram despercebidos, ocultos pelos sofrimentos mais percetíveis.
Eu estava em péssima forma. Foi o mês de janeiro mais frio dos últimos vinte e cinco anos. Temia gelar até a morte, mas não tinha absolutamente para onde ir. Suponho que poderia ter pedido ao dr. Pearlman para ficar no apartamento que ele dividia com a namorada, mas seria tão estranho e constrangedor que eu preferia a morte. Não conhecia mais ninguém a quem recorrer, e fora bater na porta de estranho, não me restava nada a fazer. Certa noite, desesperada, tentei telefonar para meus pais do telefone público do lado de fora do Boulder Tap; caía granizo, eu tremia com tanta violência que mal conseguia colocar as moedas no aparelho. Embora me iludisse com a esperança improvável de que me mandariam dinheiro ou uma passagem aérea, nem sabia direito o que esperava que me dissessem. Talvez acreditasse que, parada ali sob o granizo e os ventos da rua Prospect, eu me sentiria melhor simplesmente ouvindo vozes de pessoas num local distante, aquecido. Mas quando meu pai atendeu o telefone, no sexto ou sétimo toque, com a voz alterada pela cerveja e irritada, subiu um nó à minha garganta e desliguei.
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A História Secreta - Camren
Fanfiction...Os fantasmas existem mesmo. As pessoas, em todos os lugares, sempre souberam disso. E acreditamos neles, assim como Homero. Só que hoje em dia usamos nomes diferentes. Lembranças. O inconsciente. E Camila sabia bem disso, pois os fantasmas do pa...