Capítulo 4

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Transcorreu mais de uma semana. Comecei as aulas e consegui um emprego com um professor de psicologia chamado dr. Pearlman. (Deveria ajudá-lo numa "pesquisa" meio vaga, cuja natureza jamais descobri; ele era um velho atrapalhado, desorganizado, um behaviorista que passava a maior parte do tempo na sala dos professores.) E fiz alguns amigos, em sua maioria calouros que viviam na mesma casa. Amigos talvez seja um termo inexato. Fazíamos as refeições juntos, acompanhávamos as saídas e entradas uns dos outros, mas em geral nos aproximava apenas o fato de nenhum de nós conhecia as pessoas - uma situação que, na época, não me parecia necessariamente desagradável. Aos poucos veteranos de Hampden que conheci perguntava qual era a história de Vanessa Ives.

Quase todos já tinham ouvido falar nela, e recebi informações contraditórias e fascinantes de todos os tipos: era uma mulher brilhante; uma farsante; não tinha diploma de curso superior; fora uma intelectual importante nos anos 40, amiga de Virginia Woolf e Vita Sackville-West; a fortuna da família se originava da participação num banco aristocrático ou, ao contrário, da compra de empresas falidas durante a Depressão; esquivara-se de casamentos forçados pelos familiares; mantinha ligações com os Windsor; com uma família real do Oriente Médio; com a Espanha de Franco. A dose de verdade contida nas informações era incognoscível, claro, e quanto mais ouvia falar nela e em seu reduzido grupo de estudantes que frequentava o campus. Quatro moças e um rapaz, que não chamavam a atenção à distância. De perto, contudo, formavam um grupo cativante - pelo menos para mim, que jamais vira nada igual -, capaz de surgir uma variedade de qualidades fictícias e pitorescas.

Duas das moças usavam óculos; curiosamente, do mesmo estilo: finos, antigos, com armação redonda de aço. A mais alta delas - quase da minha altura - tinha cabelos escuros e pele pálida. Ela ficaria mais bonita se não fosse a expressão severa e os olhos verdes inexpressivos e vazios por trás das lentes. Mas ainda assim, era perigosamente atraente. Ela usava calças pantalona estilo ano 20 e o restante igualmente formal, levava um guarda-chuva (uma visão insólita, em Hampden), e caminhava rígida por entre os hippies e beatniks e preppies e punks com o formalismo tímido de uma bailarina veterana, algo surpreendente para alguém como ela. Ela se chamava Lauren Jauregui. As perguntas despertaram certas suspeitas em meus colegas em geral, que se espantaram com meu interesse naquela garota.

A menor das duas - não chegava a ser baixa - era uma garota loira aguada, de rosto corado a mascar chiclete, sempre agitada, as mãos enfiadas no fundo do bolso da saia que ia até metade da coxa. Usava o mesmo modelo de saia, todos os dias, formal e antiquado, curto demais talvez. Repartia o cabelo cor de areia ao meio, de modo que a franja caía sobre uma das lentes. Dakota Corcoran era seu nome. Tinha uma voz alta, estridente, que ecoava nos refeitórios.

A terceira moça era a mais exótica da turma. Angulosa e elegante, de mãos nervosas e rosto albino astuto sob um cabelo rebelde mais ruivo que jamais vira. Pensei (equivocadamente) que ela se vestia como Audrey Hepburn: camisas engomadas à perfeição com abotoaduras francesas; casaco preto que revoava atrás dela, quando andava. Robin Abernathy era seu nome.

E havia um par, um moço e uma moça. Eu os via juntos, em geral, e pensei no início que fossem namorados, até que um dia observei de perto, concluindo que só podiam ser irmãos. Depois soube que eram gêmeos. Pareciam-se bastante, com seus cabelos louros escuros e rostos hermafroditas claros, jubilosos e graves como os de anjos flamengos. E, talvez o mais inusitado no contexto de Hampden - onde o pseudo-intelectualismo e a decadência adolescente abundavam, e onde roupas pretas eram de rigueur -, apreciavam as roupas claras, em especial as brancas. No meio dos cigarros e da sofisticação escura, eles surgiam, aqui e ali, como figuras de uma alegoria, ou celebrantes falecidos de uma festividade campestre esquecida. Foi fácil descobrir quem eram eles, pois compartilhavam a distinção de formar o único casal de gêmeos do campus. Seus nomes, Charlie e Christian Macaulay.

Todos eles, para mim, pareciam totalmente inacessíveis. Mas eu os observava com interesse sempre que os via: Robin abaixando-se para falar com um gato num pórtico; Lauren passando depressa ao volante de um carro esporte branco, tendo Vanessa ao seu lado; Dakota debruçando-se pela janela do andar superior para gritar algo aos gêmeos no gramado. Aos poucos, obtive outras informações. Robin Abernathy vinha de Boston e, de acordo com a maioria dos relatos, era muito rica. Diziam que Lauren também era muito rica e, mais importante, uma gênio linguística. Falava um monte de idiomas, antigos e modernos, e publicara uma tradução comentada de Anacreonte, aos dezoito anos. (Soube disso por Adele Heanel, que em geral se mostrava reticente ou irritada com o assunto; depois descobri que Lauren, quando caloura, embaraçara Heanel terrivelmente, no momento das perguntas e respostas, após a conferência anual da professora sobre Racine.) Os gêmeos mantinham um apartamento fora do campus, e vinham da Califórnia. Dakota Corcoran costumava ouvir marchas de John Philip Sousa em seu quarto, no último volume, tarde da noite.

Não que eu estivesse extremamente preocupada com tudo isso. No momento, preocupava-me com a adaptação á faculdade; as aulas haviam começado, os estudos me ocupavam. O interesse em Vanessa Ives e seus alunos de grego, embora ainda presente, começava a desaparecer quando uma curiosa coincidência ocorreu.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora