Capítulo 11

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Apesar do tanto que comemos naquela tarde - sopa, lagosta, patê, musse, uma impressionante variedade e quantidade -, nada se comparava ao que bebemos. Três garrafas de Taittinger, depois dos coquetéis, e brandy por cima de tudo, de modo que, gradualmente, nossa mesa tornou-se o único ponto de convergência do salão, em torno do qual os objetos giravam e desapareciam em velocidade estonteante. Os copos surgiam, como num passe de mágica, e eu bebia. Dakota brindou a tudo, de Hampden College a Benjamin Jowett, passando por Atenas de Péricles; os brindes se tornavam mais e mais confusos com o passar do tempo, até que no momento em que serviram o café começava a escurecer. Dakota estava tão bêbeda que pediu ao garçom para trazer dois maços de Lucky Strike, o que foi feito, juntamente com a conta, virada para baixo num pratinho.

O salão pouco iluminado girava agora numa velocidade incrível, e o cigarro, em vez de melhorar isso, só provocava a visão de uma série de de pontos luminosos, escuros nas bordas, desagradavelmente semelhantes às horríveis criaturas unicelulares que me obrigavam a observar no microscópio até sentir dor de cabeça. Apaguei-o no cinzeiro, ou melhor, no que pensei ser o cinzeiro. Na verdade, era um prato de sobremesa. Dakota tirou os óculos de aro dourado, soltando cuidadosamente a haste de cada uma das orelhas, e começou a polir as lentes com o guardanapo. Sem óculos, os olhos eram pequenos, fracos e cordiais, lacrimejantes de tanta fumaça, com pés-de-galinhas nas extremidades de tão branca que ela era.

: - Minhas nossa, que almoço. Gostou, minha cara? -, ela disse, cigarro entre os lábios, erguendo a taça contra a luz à procura de alguma sujeira. Agia como uma jovem Margaret Thatcher sem pérolas no pescoço, pronta para fazer uma piada bajuladora sobre leis chatas.

: - Foi maravilhoso. Muito obrigada.

Ela soprou uma nuvem enorme de fumaça esbranquiçada, fedorenta.

: - Boa comida, boa companhia, baldes de bebida, não se pode pedir mais do que isso. Certo? Como é mesmo aquela música? - ela perguntou.

: - Qual música?

: - I want my dinner -, Dakota cantarolou, - and conversation, and... sei lá. dum-te-dum.

: - Não conheço.

: - Eu também não. Quem canta é Ethel Merman.

A luz diminuía, e eu me esforçava para focalizar os objetos mais distantes. Notei que o lugar estava vazio, exceto por nossa mesa. No canto mais afastado pairava uma silhueta, o garçom, creio, um ser obscuro, de aspecto meio sobrenatural, muito embora desprovido do ar preocupado atribuído às assombrações: éramos o foco único de suas atenções; senti que concentrava em nós os raios de seu ódio espectral.

: - Bem -, falei, mudando de posição na cadeira, um movimento que quase me fez perder o equilíbrio, - acho que já podemos ir embora.

Dakota gesticulou magnânima e virou a conta, vasculhando o bolso ao fazê-lo. Em seguida olhou para cima e deu um sorriso culpado. : - Essa não.

: - O que foi?

: - Odeio fazer isso, mas você poderia pagar a conta desta vez?

Ergui a sobrancelha, bêbada, e ri. : - Não tenho um tostão.

: - Nem eu -, ela disse. - Estranho. Não ando com bolsas e acho que deixei a carteira em casa.

: - Ora, não me diga isso. Está brincando.

: - Claro que não -, retrucou despreocupada. - Esqueci mesmo. Viraria os bolsos para você ver, se a santa não estivesse olhando.

Eu me dei conta de que o garçom malévolo, pairando na penumbra, sem dúvida acompanhava o nosso diálogo com renovado interesse.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora