Na sexta-feira de manhã segui para a aula de francês. Vários alunos cochilavam no fundo da classe, vencidos sem dúvida pelas festividades da noite anterior. O odor de desinfetante e removedor de giz combinado com as luzes fluorescentes pulsantes e o recitar monótono dos verbos condicionais provocaram em mim uma espécie de transe também. Sentada na frente da escrivaninha, balançando ligeiramente, por força da fadiga e do tédio, mal senti a passagem do tempo.
Levantei-me no final, desci as escadas até o telefone público e liguei para Robin na casa de campo. Deixei o telefone tocar umas trinta vezes, sem obter resposta.
Caminhei pela neve até Monmouth House, subi para o meu quarto e pensei, ou melhor, não pensei, apenas sentei-me na beirada da cama, olhando pela janela, para os teixos revestidos de gelo lá fora. Depois de algum tempo ergui-me e fui até a mesa, mas não consegui estudar. Passagem só de ida, segundo a atendente. Sem reembolso.
Na Califórnia passaria das onze da manhã. Meus pais estariam no serviço. Desci até meu velho amigo, o telefone público, e liguei para o apartamento da mãe da Robin, em Boston, transferindo a cobrança para o número de meu pai.
- Ah, Camila -, ela disse, quando finalmente compreendeu quem eu era. - Minha querida. Quanta gentileza sua em ligar. Pensei que viria passar o natal conosco, em Nova York. Onde está, mocinha? Posso mandar alguém buscá-la?
- Não, obrigada. Estou em Hampden -, expliquei. - Robin está aí?
- Minha querida, ela está na universidade aí com você, não é?
- Sinto muito -, falei, repentinamente constrangida. Errara ao ligar assim, sem ter pensado no que diria. - Lamento. Creio que me enganei.
- Não entendi.
- Pelo que eu soube, ela iria a Boston hoje.
- Bem, se está aqui, querida, ela não me procurou. Onde disse que está mesmo? Tem certeza de que não precisa que eu mande alguém ir buscá-la?
- Não precisa. Na verdade, não estou em Boston, mas em...
- Está ligando de Vermont? Da universidade? -, ela perguntou, assustada. - Aconteceu alguma coisa, querida?
- Não, senhora, claro que não -, falei. Por um momento, senti o impulso de desligar, mas já era tarde demais. - Ela passou aqui ontem à noite, eu já estava quase dormindo. Poderia jurar que ela pretendia ir para Boston hoje. Ah, lá está ela! -, gritei estupidamente, torcendo para conseguir enganá-la.
- Onde , minha querida? Aí?
- Está do outro lado do gramado, vindo para cá. Muito obrigada, senhora... hã... Abernathy -, falei, envergonhadíssima por não me lembrar do sobrenome do atual marido dela.
- Pode me chamar de Olivia, querida. Dê um beijo na minha filhinha por mim e peça a ela para me ligar no domingo.
Apressei as despedidas - já estava suando frio - e eu estava dando meia-volta quando Dakota, usando um dos conjuntos de roupas que comprou na Itália e mascando ruidosamente um chiclete enorme, aproximou-se de mim em passos largos. Ela era a última pessoa com quem eu queria conversar, mas não consegui me livrar.
- Olá, minha cara. -, ela disse. - Onde foi que Lauren se meteu?
- Não sei -, respondi após certa hesitação.
- Nem eu -, ela disse repentinamente agressiva - Não a vejo desde segunda-feira. Nem Robin, nem os gêmeos. Com quem estava falando no telefone?
Fui incapaz de pensar numa boa resposta.
- Robin -, falei. - Estava conversando com Robin.
- Hum -, ela disse, enfiando a mão no bolso novamente. - De onde ela ligou?
VOCÊ ESTÁ LENDO
A História Secreta - Camren
Hayran Kurgu...Os fantasmas existem mesmo. As pessoas, em todos os lugares, sempre souberam disso. E acreditamos neles, assim como Homero. Só que hoje em dia usamos nomes diferentes. Lembranças. O inconsciente. E Camila sabia bem disso, pois os fantasmas do pa...