ae garai, capítulo 57

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Qual é a tragédia grega preferida de vocês???
A minha é a de Orfeu e Eurídice, porque eu também arriscaria tudo só para dar uma última olhada na mulher dos meus sonhos.

                                 ***

Andei depressa no caminho para o meu quarto, pois esfriara bastante. Uma imobilidade típica de novembro cobria, como um oxímoro mortífero, a paisagem de abril. A neve caía com força no momento - imensos flocos silenciosos pairando sobre as matas primaveris, as flores brancas em sintonia com a neve: uma terra de pesadelo, de pernas para o ar, como num livro infantil. Meu caminho passava por um pomar de macieiras, claras e floridas, brilhando ao crepúsculo como uma alameda de guarda-chuvas pálidos. Os flocos brancos caíam entre elas, suaves e sonhadores. Não parei para apreciar a cena, porém. Apenas apertei o passo. O primeiro inverno em Hampden provocara traumas e sequelas cheias de horror à neve.

Não havia recados para mim no térreo. Subi para o meu quarto, troquei de roupa, não consegui decidir o que fazer com as roupas sujas, pensei em lavá-las, mas imaginei que despertaria suspeitas, e finalmente enfiei tudo no saco de roupa suja. Depois sentei-me na cama e olhei para o relógio.

Estava na hora de jantar, eu não havia comido nada o dia inteiro, mas não sentia fome. Fui até a janela observar a neve iluminada pelas lâmpadas da quadra de tênis, depois voltei a me sentar na cama.

Os minutos transcorreram lentamente. A anestesia que me conduzira através do evento começou a perder a força, e a cada segundo a ideia de passar a noite sentada, sozinha, parecia cada vez mais insuportável. Liguei o rádio, desliguei, tentei ler um pouco. Quando descobri que não conseguia fixar a atenção num livro, tentei outro. Passaram-se dez minutos no máximo. Retomei o primeiro livro, abandonei-o outra vez. Em seguida, sabendo que não deveria, desci até o telefone público e disquei o número da Robin.

Ela atendeu no primeiro toque.

- Oi -, ela falou quando me identifiquei. - O que foi?

- Nada.

- Tem certeza?

Ouvi um murmúrio da Lauren no fundo. Robin, afastando a boca do fone, disse algo que não entendi.

- O que vocês estão fazendo? -, perguntei.

- Nada de especial. Apenas tomando um drinque. Mas qual é o problema? Onde você está?

- Em casa.

- Algum problema?

- Pensei em passar aí para tomar um drinque.

- Não é uma boa ideia, Mila. Lauren já estava de saída quando você ligou.

- O que vocês pretendem fazer?

- Bem, se quer mesmo saber, eu vou tomar um banho e dormir, imagino que a Laur faça o mesmo na casa dela.

A linha umideceu por um momento.

- Ainda está aí? -, ela perguntou.

- Robin, vou ficar maluca aqui. Não sei o que fazer. -, falei nervosa. - Me deixe falar com a Lauren, por favor.

- Ela já saiu, Mila -, ela disse afável. - Mas faça qualquer coisa que desejar, desde que permaneça bem perto do seu dormitório.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora