Capítulo 28

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Recebi alta finalmente na segunda-feira de manhã e saí com um frasco de antibióticos e o braço todo furado. Insistiram em me levar até o carro de Lauren numa cadeira de rodas, embora eu pudesse caminhar sem o menor problema, ainda assim eu me senti humilhada em ser transportada como uma carga.

- Por favor, leve-me para o hotel Catamount -, pedi a Lauren quando chegamos em Hampden.

- Não -, ela disse. - Você fica comigo.

Lauren residia no primeiro andar de uma casa antiga, na rua Water, em North Hampden, a uma quadra de Charlie e Christian, perto do rio. Ela não gostava de receber ninguém e eu passei por lá apenas uma vez, rapidamente, por um ou dois minutos. O apartamento dela, bem maior que o de Charlie e Christian, parecia meio vazio. Os quartos eram grandes e anônimos, com assoalho de tábuas largas, sem cortinas nas janelas, e as paredes revestidas de gesso estavam pintadas de branco. A mobília, claro que de primeira, era gasta, escassa e comum. O local dava a impressão geral de desocupado; em alguns cômodos não vi absolutamente nada. Os gêmeos me contaram que Lauren não apreciava a luz elétrica, por isso havia aqui e ali lampiões de querosene nos parapeitos das janelas.

Seu quarto, onde eu dormia, encontrava-se trancado em minha visita anterior. Ali Lauren guardava seus livros - menos do que se poderia imaginar - ao lado da cama de casal e quase mais nada, com exceção de um guarda-roupa provido de cadeado grande, chamativo. Pregada à porta havia uma foto em preto e branco, de uma revista antiga - Life, de 1945. Era Greta Garbo e, surpresa, Vanessa bem mais jovem. Conversavam durante uma festa, de copos na mão. Em vestidos de gala, riam de algo que Vanessa havia dito, supostamente.

- Quando foi tirada? -, perguntei.

- Sei lá. Vanessa diz que não se lembra. De vez em quando a gente topa com fotografias dela em revistas antigas.

- Por que?

- Ela conhecia muita gente.

- Quem?

- A maioria já morreu.

- Quem?

- Não sei bem, Camila. - Mas cedeu em seguida: - Já vi fotos dela com os Windsor. Maria Callas e T. S. Eliot. Além disso, há uma cena engraçada, com aquela atriz... não me recordo o nome -, Ela ficou pensativa por um minuto. - Loura -, disse, - casada com um diretor de cinema, creio.

- Sharon Tate?

- Pode ser. Não era uma foto nítida. Saiu num jornal.

Em algum momento nos últimos três dias, Lauren passara no armazém da velha hippie e recolhera meus pertences. As malas me esperavam ao pé da cama.

- Não quero tomar sua cama, Lauren -, falei. - Onde vai dormir?

- Um dos quartos do fundo tem cama que sai da parede -, Lauren explicou. - Não sei como a chamam. Nunca dormi lá.

- E porque você não dorme comigo?

Ela não esperava por essa, tenho certeza. Deus olhos de arregalaram levemente e sua bochecha ruborizou. Segurei um sorriso e a vi murmurar alguma coisa baixa mas aceitou.

Planejei passar apenas alguns dias com Lauren - retornei ao serviço com o dr. Pearlman na segunda-feira seguinte -, mas acabei ficando até o reinício das aulas com ela. Não entendi por que Dakota disse que era difícil conviver com Lauren. Ela foi a melhor colega de quarto que já tive, quieta e organizada, em geral ela parecia um gato, ficava horas até tarde da noite confinada nas suas leituras, mas vinha no meio da noite se aconchegar comigo na cama. Creio que criamos esse hábito íntimo de modo estranho e natural. Eu era a única a tocar no assunto, ainda assim de modo sutil e direto. Ainda hoje, sinto falta dos seus braços me apertando confortavelmente durante a noite.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora