Capítulo 12

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- Soubemos de seu almoço com Dakota -, Charlie disse.

Ri. Caía a tarde do dia seguinte, um domingo. Eu havia passado a maior parte do dia à mesa, lendo Parmênides. Além da dificuldade de ler em grego, sofria com a ressaca. Depois de passar muito tempo no texto, as letras nem se assemelhavam mais as letras, tornaram-se sinais indecifráveis, pegadas de pássaros na areia. Olhava pela janela numa espécie de transe, o mato dos campos, cortado rente, parecia veludo verde-brilhante, estendendo-se pelos morros como um carpete até o horizonte, quando vi os gêmeos lá longe, insinuando-se pelo gramado como um par de espectros.

Debrucei-me no parapeito e os chamei. Pararam e viraram, as mão em viseira sobre os olhos apertados contra o ofuscamento da tarde. 

- Oi -, gritaram, as vozes fracas quase em uníssono, flutuando até minha janela. - Desça.

Desci e fomos passear no bosque atrás da universidade, perto da pequena floresta de pinheiros emaranhados no sopé das montanhas. Um seguia à minha esquerda, o outro à direita.

Pareciam dois anjos, em especial naquele dia, os cabelos loiros esvoaçando, ambos de suéter branco e tênis. Não sei bem por que me chamaram. Embora muito educados, mostravam-se prudentes, ligeiramente intrigados, como se eu viesse de um país distante, de costumes exóticos, pouco familiares, obrigando-os a tomar muito cuidado para não me ofender nem chorar.

- Como souberam? -, perguntei. - A respeito do almoço.

- Dakota telefonou está manhã. E Lauren nos contou tudo ontem à noite.

- Ela ficou furiosa, creio.

Christian deu de ombros e respondeu: - Com Dakota, talvez. Não com você.

- Não se dão muito bem, não é?

Pareceram surpresos ao ouvir isso.

- São velhas amigas -, Charlie disse.

- Amigas íntimas, eu diria -, Christian completou. - Houve época em que andavam sempre juntas.

- Parecem brigar muito.

- Bem, isso é verdade -, Charlie disse, - mas não significa que uma não goste da outra. Lauren é tão séria, e Dakota, bem pouco séria, mas acabam se entendendo muito bem.

- É -, Christian disse. - L'Allegra e Il Penserosa. Um par perfeito. Acho que Dakota é a única pessoa neste mundo capaz de provocar risos em Lauren. - Ele parou subitamente, apontando para longe. - Já esteve lá? - disse. - Há um cemitério naquele morro.

Era possível vê-lo, oculto entre os pinheiros - uma fileira de lápides isoladas, débeis, deterioradas, dispostas em ângulos que davam impressão de movimento fantástico, como se uma força histérica, um poltergeist talvez, as tivesse espalhado pouco antes.

- Muito antigo -, Charlie disse. - Setecentista. Havia uma cidade lá também, com igreja e moinho. Não sobrou nada, só alicerces, mas ainda se podem ver as plantas dos jardins. Macieiras e roseiras, crescendo onde antes havia casas. Só Deus sabe o que pode ter acontecido lá. Uma epidemia, talvez. Ou um incêndio.

- Ou os Mohawk -, Christian disse. - Você precisa ir até lá qualquer dia desses para conhecer o cemitério.

- É lindo. Principalmente quando neva.

O sol baixara, espalhando ouro por entre as árvores, lançando sombras diante de nós, no solo, longas e distorcidas. Caminhamos sem dizer nada por um longo tempo. No ar frio do final da tarde pairava um cheiro acre de fogueiras distantes. Só ouvíamos o ruído de nossos passos quebrando os gravetos da trilha e o sussurro do vento nos pinheiros; eu me sentia sonolenta, a cabeça doía e tudo aquilo não parecia muito real, e sim um sonho. Sentia que a qualquer momento poderia acordar, a cabeça sobre a pilha de livros em minha mesa, dentro de quarto escuro, sozinha.

Charlie, de repente, levou o dedo aos lábios. Numa árvore morta, rachada ao meio por um raio, empoleiravam-se três aves imensas, negras, maiores que gralhas. Nunca vira algo parecido na vida. 

- Corvos -, Charlie falou.

Observamos os pássaros, imóveis. Um deles pulou desajeitado até a ponta do galho, que estalou e balançou com o peso quando ele decolou. Os outros dois o seguiram, batendo as asas. Eles voaram pelo campo em formação triangular, lançando sombras negras no mato.

Christian riu. 

- Três deles para nós três. Um augúrio, aposto.

- Um presságio?

- De quê? -, perguntei.

- Sei lá -, Christian disse. - Ornitomancia é com a Lauren. Ela adivinha o futuro no vôo dos pássaros.

- Ela é uma romana antiga. Saberia.

Começamos a voltar e, no alto de uma elevação, vi a fachada de Monmouth House, funesta à distância. O céu estava frio e vazio. Uma lasca de lua, como o crescente branco da unha, flutuava no crepúsculo. Não me acostumara ainda ao melancólico entardecer outonal, ao frio e à escuridão antecipada; a noite caía depressa demais, e a quietude dos prados me enchia de uma tristeza estranha, trêmula. Desolada, pensei em Monmouth House: corredores vazios, bicos de gás antiquados, a chave girando na porta do meu quarto.

- Bem, nos vemos outra hora -, Charlie disse, ao chegarmos na porta de entrada de Monmouth, o rosto pálido sob a lâmpada do pórtico.

Ao longe, vi as luzes de jantar, em Commons; distinguia as silhuetas escuras movendo-se para lá das janelas.

- Foi legal -, eu disse, enfiando as mãos nos bolsos. - Querem entrar e jantar comigo?

- Infelizmente não dá. Precisamos ir para casa.

- Está bem -, falei desapontada. - Fica para outro dia.

- Bem, quem sabe...? -, disse Charlie, voltando-se para Christian.

Ele ergueu as sobrancelhas. 

- Hummm -, falou. - Pode ser.

- Venha jantar conosco em nossa casa -, disse Charlie, virando-se impulsivamente em minha direção.

- Não posso -, falei imediatamente.

- Por favor.

- Não, muito obrigada. Tudo bem.

- Ora, eu insisto -, Charlie disse graciosamente. - Não há nada de especial, mas gostaríamos de ter sua companhia.

Senti uma onda de gratidão por ela. Queria ir, adoraria ir. 

- Se não for incômodo -, falei.

- Imagine, não é incômodo nenhum -, disse Charlie. - Vamos.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora