Capítulo fucking 53

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"...Mas nem todos os lugares escuros precisam de luz e eu tenho que me lembrar disso.". Era o que eu estava lendo do exemplar seminovo da Jeanette Winterson, Oranges are not the only fruit.

Abaixei o livro e olhei para fora da minha janela. Na primeira semana de abril o clima transformou-se repentinamente, tornando-se delicioso, embora fora de época. O céu ficou azul, o ar quente e sem vento, o sol banhava o solo barrento com a impaciência doce de junho. Na beirada da floresta as árvores mais jovens amarelaram, e surgiram os primeiros brotos das folhas novas; os pica-paus bicavam os galhos e eu, apenas admirando tudo isso, ouvia o barulho borbulhante da neve derretida a escorrer pela sarjeta.

Na segunda semana de abril todos aguardavam ansioso para saber se o tempo continuaria bom. Foi o que ocorreu, com serena firmeza. Jacintos floresceram nos canteiros, violetas e pervincas nos prados; borboletas brancas, úmidas, revoavam embriagadas pelas sebes. Deixei de lado o capote de inverno e as galochas, e saí para passear em mangas de camisa, quase leve de contentamento.

- Isso não vai durar -, Lauren disse, profética, olhando ao meu lado, os pássaros voarem para longe das árvores em conjunto.

Na terceira semana de abril a grama ficou verde e as macieiras floriram descuidadas. Certa noite de sexta-feira, Lauren havia ido dormir em seu apartamento. Eu li em meu quarto, de janelas abertas, sentindo a brisa fresca revirando os papéis em minha mesa. Realizavam uma festa na outra ponta do gramado, o riso e a música flutuavam no ar noturno. Passava da meia-noite. Eu cochilava, adormecera sobre o livro, quando alguém gritou nome lá fora.

Acordei assustada e sentei-me bem a tempo de ver um pé de sapato da Dakota entrar voando pela janela aberta. Caiu no chão provocando um baque surdo. Num pulo, cheguei até o peitoril. Lá em baixo vi sua figura cambaleante, descabelada, tentando manter-se em pé segurando num pequeno tronco de árvore.

- Qual é o problema com você, caramba?

Ela não respondeu, apenas ergueu a mão livre, num gesto meio de despedida, meio de saudação, e desapareceu no escuro. A porta dos fundos bateu, e minutos depois ela esmurrava a porta do meu quarto.

Assim que abri ela entrou mancando, só com um pé de sapato, deixando atrás de si uma trilha barrenta de pegadas macabras, desiguais. Os óculos estavam tortos e ela cheirava a uísque.

- Mila, minha cara -, ela resmungou.

A explosão debaixo da minha janela aparentemente a esgotou, deixando-a estranhamente ensimesmada. Tirou a meia suja de terra e a jogou longe, descuidada. Caiu em cima da minha cama.

Aos poucos, consegui arrancar dela um relato sobre os eventos daquela noite. Os gêmeos a tinham convidado para jantar, e depois para ir a um bar no centro tomar uns drinques; em seguida, ela passara na festa do gramado, sozinha, onde um holandês tentou convencê-la a fumar maconha e um calouro ofereceu tequila tirada da garrafa térmica. ("Um docinho de garoto. Meio zumbi, contudo. Usava roupa de ginástica, acredita? E uma faixa na cabeça. Não aguento isso. 'Gato', falei, 'você é tão bonito, como consegue andar por aí desse jeito?' ") Depois, abruptamente, ela interrompeu a narrativa e saiu correndo - deixou a porta do quarto aberta, e escutei o som alto, forte, de alguém vomitando.

Dakota demorou muito para voltar. Quando retornou, cheirava mal e tinha o rosto molhado de suor, muito pálida; mas parecia recomposta.

- Uau -, ela disse, desabando na poltrona, enquanto limpava a testa com um pano vermelho. - Deve ter sido algo que comi.

- Conseguiu chegar ao banheiro? -, perguntei, incerta. Achei que poderia ter vomitado perto da minha porta.

- Não -, ela respondeu ofegando pesadamente. - Despejei tudo no armário das vassouras. Pegue um copo d'água, por favor.

No corredor a porta do armário de serviço encontrava-se parcialmente aberta, permitindo a visão parcial do horror lá dentro. Passei por ela correndo a caminho da cozinha.

Dakota me encarou com a vista embaçada quando voltei. Sua expressão se alterara inteiramente e algo em seu rosto provocou meu desconforto. Dei-lhe água, e ela bebeu um gole rápido, ávido.

- Não tão depressa -, falei.

Ela não me deu atenção e tomou o resto de uma só vez, depois deixou o copo sobre a mesa, com a mão trêmula. Gotículas de suor surgiram em sua testa.

- Aí, meu Deus -, ela disse. - Minha nossa.

Inquieta, aproximei-me da cama e sentei, tentando pensar num assunto inócuo, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela falou.

- Não aguento mais -, resmungou. - Não posso. Meu Deus do céu.

Permaneci em silêncio.

Trêmula, ela passou a mão na testa.

- Você nem sabe de que diabos estou falando, não é? -, ela disse, num tom estranho, desagradável.

Agitada, cruzei as pernas. Previa aquele momento, eu o temia havia meses. Senti um impulso de sair correndo do quarto, deixá-la ali sentada, mas ela enterrou o rosto nas mãos.

- Tudo verdade -, resmungou chorosa. - Tudo verdade. Juro por Deus. Ninguém sabe, só eu.

Absurdamente, eu torcia para que fosse um alarme falso. Talvez ela tivesse brigado com o Brian. Talvez o pai tivesse morrido de ataque do coração. Continuei sentada, imóvel.

Ela de repente teve um sobressalto e, fechando os olhos, pôs os dedos sobre as pálpebras, como se buscasse aprisionar dentro do cérebro algum sonho curioso do qual receava despertar. Ela abriu os olhos e olhou para mim.

- Você não faz ideia -, ela disse. Seus olhos avermelhados brilhavam medonhos. - Caralho, você não faz a menor ideia, porra.

Levantei-me, incapaz de suportar a cena, e percorri o quarto com os olhos, distraidamente.

- Bem -, falei, - você não quer uma aspirina? Ia perguntar antes. Se tomar duas agora, não se sentirá tão mal...

- Acha que fiquei louca, não acha? -, ela disse abruptamente.

De certo modo, eu antecipara que seria assim, nós duas sozinhas, Dakota bêbada ou drogada, no meio da noite...

- Que nada -, falei. - Você só precisa de um pouco...

- Você pensa que sou uma lunática. Doida de pedra. Ninguém me dá ouvidos -, ela disse, erguendo a voz.

Entrei em pânico.

- Acalme-se -, falei. - Eu estou ouvindo tudo.

- Ah, é? Então escute isso.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora