Capítulo 6

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Tive a sensação de déjà vu quando, na tarde seguinte, Vanessa me atendeu exatamente como na vez anterior, abrindo apenas uma fresta da porta, espiando por ela cautelosa, como se em seu escritório guardasse algo precioso, que nem todos pudessem ver. Conheceria bem aquela sensação nos meses seguintes. Até hoje, anos depois e muito longe, em sonho às vezes me vejo parada na frente da porta branca, esperando que ela surja, como guardiã do castelo num conto de fadas: imutável, vigilante, acanhada como uma criança.

Quando viu que era eu, abriu a porta um pouco mais, em comparação com a primeira vez.

- Senhorita Cabello, novamente? -, disse.

- Como pode ver.

Ela me estudou por um momento.

- Tem um nome maravilhoso, sabe -, disse. - Na antiga Espanha houveram famílias importantes chamadas Cabello.

- Está ocupada agora?

- Nunca estou ocupada demais para atender uma descendente importante, se for este o caso. -, disse amável.

- Temo que não seja.

Ela riu, citando um epigrama grego que dizia ser a honestidade uma virtude perigosa, e para minha surpresa abriu a porta, permitindo que eu entrasse.

Deparei com uma sala maravilhosa, nada a ver com um escritório,e muito maior do que parecia por fora - arejada e branca, com pé direito alto e brisa a balançar as cortinas engomadas. No canto, perto de uma estante baixa de livros, havia uma mesa grande redonda coberta de livros em grego e bules de chá, e vi flores por toda parte, rosas, cravos e anêmonas sobre a escrivaninha dela, sobre a mesa e no parapeito das janelas. As rosas eram particularmente perfumadas; seu odor enchia o ambiente, intenso, misturado ao cheiro de bergamota e chá preto chinês, além de um perfume leve de tinta canforada. Respirei fundo e me senti inebriada. Onde quer que eu olhasse via peças magníficas - tapetes orientais, porcelanas, quadros minúsculos como jóias - num mosaico de cores misturadas que me surpreendeu, como se eu tivesse entrado numa daquelas pequenas igrejas bizantinas tão despojadas por fora; por dentro, encontrava-se uma miniatura paradisíaca em dourado e tessela.

Sentando-se numa poltrona à janela, ela me convidou a sentar também, com um gesto. 

- Suponho que tenha vindo conversar sobre as aulas de grego -, falou.

- Sim.

Seus olhos eram gentis, francos, mais para o cinza do que para o azul.

- As aulas já estão bem adiantadas -, ela disse.

- Eu gostaria de voltar a estudar grego. Seria uma pena deixar de lado depois de dois anos.

Ela ergueu as sobrancelhas - finas, maliciosas - e olhou para suas mãos cruzadas por um instante.

- Soube que você veio de Los Angeles.

- Isso mesmo -, falei, um tanto surpresa. - Quem lhe contou?

- Não conheço muita gente dessa região -, disse. - Não sei se gostaria da vida lá. -, Ela parou, parecendo pensativa, vagamente incomodada. - E o que se faz em Los Angeles?

Desfiei o rosário. Laranjais, estrelas de cinema decadentes, coquetéis vespertinos à beira da piscina iluminada, cigarros, letreiros padronizados, coqueiros. Ela ouviu, os olhos fixos em mim, aparentemente encantada com minhas recordações fraudulentas. Jamais meus esforços encontraram tanta atenção, alguém tão disponível e receptiva. Ela se mostrou tão interessada que senti a tentação de enfeitar a história mais do que talvez fosse prudente.

- Muito interessante -, ela disse calorosamente, quando eu, meio eufórica, afinal terminei o discurso. - Quanto romantismo.

- Bem, estamos acostumados com tudo isso por lá -, falei, tentando não me preocupar com o brilho do meu sucesso.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora