Eu acho que esqueci de avisar isso a vocês no início da fic :P que a história se passa na metade dos maravilhosos 1980; na época a comunidade LGBT tinha uma sigla diferente da que temos hoje e que a violência gratuita contra qualquer um dessa comunidade não era crime propriamente por isso. Ou seja, era muito mais foda do que hoje (num sentido ruim).
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Era de se esperar que eu, sendo na época perfeitamente inocente de qualquer crime contra Dakota ou a humanidade, não serviria de alvo para suas rajadas furiosas. Infelizmente eu também servia, talvez mais infelizmente para ela do que para mim. Como pude ser cega a ponto de não pensar que ela me deixaria em paz? Pois eu gostava da Dakota, assim como gostava dos outros, e eu não teria me aliado com os demais se ela não nos atacasse com tanta ferocidade. Talvez sua mente usasse a desculpa do ciúme; a posição da Dakota no grupo começou a se deteriorar mais ou menos na época em que cheguei; seu ressentimento infantil e imaturo decerto nunca se manifestaria, não fosse sua condição paranóica, que a incapacitava de distinguir amigos de inimigos.
Aos poucos, passei a detestá-la. Implacável como um cão de caça, percebia com seu instinto infalível e rápido todas as coisas do mundo que me deixavam insegura e que eu queria desesperadamente esconder. Ela repetia, comigo, jogos sádicos, insistentes. Adorava me induzir a mentiras e humilhação. "Está saindo com alguém? -, ela me perguntava. - Algum garoto californiano por aqui ou anda experimentando um dos nossos nortenhos?" Quando eu negava estar envolvida com alguém, ela estendia a mão rápido por cima da mesa e abaixava a gola do meu casaco, expondo as marcas de chupões que Lauren deixara ali na nossa última noite juntas. Ou, no meio da conversa, ela subitamente perguntava: "Camila, minha cara, por que você nunca mostra fotografias de sua família?"
Ela se especializava em se agarrar a tais detalhes. O quarto da Dakota estava cheio de recordações familiares, uma série impecável a servir de propaganda: Dakota e as irmãs montando um boneco da neve num quintal iluminado, em preto e branco; Natais familiares, com os pais sofisticados em robes caríssimos e cinco meninas loiras de pijamas idênticos, sentadas no chão aos pés dos pais, um trem elétrico ridículo de tão grande e a árvore de Natal suntuosa ao fundo. A mãe da Dakota, em seu baile de debutante, jovem e arrogante em sua estola de mink branco.
"Por quê?" -, ela perguntava, fingindo inocência. - "Não há máquinas fotográficas em Santa Mônica? Ou você quer esconder sua mamãe usando poliéster dos amigos? Qual a escola frequentada por seus pais mesmo? -, ela perguntava. E antes que eu pudesse responder: "Fazem o gênero Ivy League? Ou cursaram a universidade estadual?".
Era o tipo de crueldade completamente gratuita. Minhas mentiras sobre a minha família convenciam a todos, creio, mas não suportavam ataques frontais. Meus pais nem terminaram o colégio; minha mãe usava calças poliéster mesmo, adquiridas numa loja de fábrica. Na única fotografia que eu possuía, desfocada, ela olhava para a câmera meio vesga, umas das mãos apoiada na cerca de plástico e a outra sobre o novo cortador de grama do papai. Esta, ostensivamente, foi a razão do envio da foto. Minha mãe presumiu que eu me interessaria pela nova aquisição; conservei-a por ser o único retrato dela, escondido no dicionário Webster (na letra M de Mãe), em cima da mesa. Mas acordei no meio da noite, certa vez, quando Lauren não estava comigo, de repente apavorada com a ideia de que a Dakota a encontraria quando vasculhasse meu quarto. Nenhum lugar me pareceu seguro o bastante. Queimei-a no cinzeiro no final.
Por mais que os interrogatórios em particular fossem desagradáveis, não tenho palavras para descrever os tormentos que eu sofria em público quando ela resolvia mostrar sua capacidade de torturadora. Dakota está morta agora, requiescat in pace, mas enquanto viver, jamais esquecerei de um momento de sadismo pelo qual passei nas mãos dela no apartamento dos gêmeos.
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A História Secreta - Camren
Fiksi Penggemar...Os fantasmas existem mesmo. As pessoas, em todos os lugares, sempre souberam disso. E acreditamos neles, assim como Homero. Só que hoje em dia usamos nomes diferentes. Lembranças. O inconsciente. E Camila sabia bem disso, pois os fantasmas do pa...