A organização cronológica da memória é algo interessante. No período anterior ao meu primeiro final de semana na casa de campo, as recordações daquele outono se apresentam distantes e imprecisas. Daquele dia em diante, entram em foco, nítidas, perfeitas. Os manequins rígidos com quem travei conhecimento inicial espreguiçaram-se, bocejaram e ganharam vida. Foram necessários meses até a remoção completa do véu de mistério e novidade, obstáculos para que eu os visse objetivamente. Saiba-se, a realidade superava em interesse qualquer versão idealizada que se pudesse imaginar. Contudo, a partir de então, em minha lembrança, eles deixaram de ser totalmente estranhos e começaram a aparecer, pela primeira vez, em formatos bem próximos de suas atraentes personalidades.
Eu mesma pareço meio estranha nas memórias iniciais: observadora e rabugenta, singularmente silenciosa. Durante minha vida inteira, as pessoas confundiram minha timidez com mau humor, esnobismo, má vontade ou algo assim. "Pare de bancar a superior!", meu pai gritava às vezes quando eu estava almoçando, vendo televisão ou cuidando da vida, de um modo ou de outro. Minha expressão facial (penso que seja isso, na verdade, apenas o jeito como a boca se curva nos cantos, sem relação real com meu estado de espírito), contudo, com a mesma frequência funcionou a meu favor ou como desvantagem. Meses depois de ter conhecido os cinco, descobri atônita que no início eles ficaram tão assustados comigo quanto eu com eles. Jamais imaginaria que viam em meu comportamento algo diferente do provincianismo e embaraço que sentia. Pelo menos, não que eu fosse uma enigma que eles julgavam. Por que, acabaram perguntando, eu jamais falava a meu respeito com ninguém? Por que fazia tanta questão de evitá-los? (Surpresa, concluí que o truque de me esconder atrás das portas não era tão eficaz assim.) E por que não retribuía os convites deles? Embora tenha acreditado que me esnobavam na época, hoje percebo que apenas esperavam, como tias solteironas educadas, que eu realizasse o movimento seguinte.
Seja lá como for, naquele final de semana as coisas começaram a mudar, os vãos escuros entre as luminárias das ruas a diminuir mais e mais, a rarear, sinal inicial de que seu trem aproxima-se de território familiar, e logo atravessará as ruas conhecidas e bem-iluminadas do centro. A casa era o trunfo deles, seu tesouro mais precioso, e naquele final de semana o revelaram a mim, retraídos, passo a passo - os quartinhos estonteantes nas torres, o sótão de vigas altas, o velho trenó guardado no porão, tão grande que exigia quatro cavalos de tração, enfeitados com sininhos. O abrigo das carruagens tornara-se residência do caseiro.: - Ali está a senhora Hatch, no jardim. Um doce de criatura, mas o marido é adventista do sétimo dia, ou algo assim, muito severo. Precisamos esconder as bebidas quando ele entra na casa. -, Robin disse
: - Por quê?
: - Ele entra em depressão e começa a deixar panfletos do 'AA' e da igreja dele por toda parte.
Passeamos pelo lago, à tarde, discretamente compartilhado pelas diversas propriedades vizinhas. No caminho, mostraram a quadra de tênis e a antiga casa de verão, com um domo imitando o estilo dórico, como usado em Pompéia, Stanford White e (dizia Robin, zombando do gosto vitoriano pelo classicismo) D. W. Griffith e Cecil B. de Mille. Era feito de placas pré-fabricadas, segundo ela, vendidas desmontadas pela Sears, Roebuck. O terreno, em alguns trechos, guardava marcas do capricho geométrico vitoriano, sua forma original: pequenos tanques para peixes, aterrados; séries compridas de colunas brancas de antigos pergolados; parterres terminadas em pedra, onde não havia mais flores. Mas, em geral, tais traços haviam sido removidos, as sebes cresceram à vontade e às árvores nativas - olmos e lariços - suplantaram os marmeleiros e as araucárias do Chile.
O lago, rodeado de bétulas, era muito brilhante e calmo. Oculto entre os juncos havia um bote a remo de madeira, pintado de branco por fora e azul por dentro.: - Podemos remar nele? -, perguntei intrigada.
: - Claro -, Lauren disse -, Mas se entrarem todos, afunda.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A História Secreta - Camren
Fanfiction...Os fantasmas existem mesmo. As pessoas, em todos os lugares, sempre souberam disso. E acreditamos neles, assim como Homero. Só que hoje em dia usamos nomes diferentes. Lembranças. O inconsciente. E Camila sabia bem disso, pois os fantasmas do pa...