Capítulo 59

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Depois de termos feito o sexo pela primeira vez naquela manhã, seguiram-se outras várias, passamos o início da manhã assim, agarradas numa bolha de sexo, declarações e suspiros.

Depois das onze da manhã, estávamos nos arrumando após o banho, com mãos bobas aqui e acolá. Ela era mil vezes mais carinhosa comigo quando estávamos sozinhas, não que ela não fosse na frente de outras pessoas, mas se tem uma coisa que aprendi sobre Lauren Jauregui é que a sua pseudo-dureza e cordialidade protegem seu coração, ela os usa como ferramentas muito bem equipadas.

Estávamos quase nos beijando novamente quando inesperadamente, ouvimos batidas na porta. Afastamo-nos. Trocamos olhares, enquanto alguém insistia nas batidas.

Lauren praguejou entre os dentes, mordeu os lábios. Eu, em pânico, abotoei a camisa o mais depressa que pude e comecei a dizer algo, mas ela fez um gesto para que eu me calasse.

- Mas e se for...? -, sussurrei.

Quase disse: "E se for a Robin?". Mas na verdade pensava: "E se for a polícia?". Lauren, eu sabia, pensava o mesmo.

Novas batidas, mais insistentes desta vez.

Meu coração batia forte. Desconcertado pelo repentino medo, cruzei o quarto e sentei-me na cama.

Lauren passou a mão pelo cabelo.

- Entre -, ela disse.

De tão nervosa, precisei de algum tempo para notar que era apenas a Charlie. Ela apoiou o cotovelo no batente, o cachecol vermelho enrolado descuidadamente em torno do pescoço. Quando entrou no quarto, concluí imediatamente que ele estava bêbada.

- Oi -, ela disse a Lauren - Mas que diabos vocês duas estão fazendo aqui?

- Você quase nos mata de medo.

- Queria saber se estavam aqui. Robin ligou e me tirou da cama.

Nós a encaramos, esperando por uma explicação. Ela tirou o casaco e me fitou com ar intenso, lacrimoso.

- Você apareceu no meu sonho -, ela disse.

- Como?

Ela piscou lentamente.

- Acabei de me lembrar -, ela disse. - Tive um sonho esta noite. Você estava nele.

Olhei para ela. Antes que pudesse ter uma reação, Lauren disse impaciente:

- Vamos logo, Charlie. Qual é o problema?

Charlie passou a mão no cabelo desgrenhado pelo vento.

- Nada. -, ela disse. Enfiando a mão no bolso do casaco, puxou um maço de papéis dobrados ao meio no comprimento. - Fez a lição de grego de hoje? -, perguntou a mim.

Ergui os olhos para o teto. Grego era a última coisa do mundo em que poderia pensar.

- Robin pensou que você poderia ter se esquecido. Ligou e pediu que eu trouxesse a minha para você copiar, por via das dúvidas.

Ela estava completamente embriagada. Não arrastava as palavras, mas cheirava a uísque e mal conseguia manter-se em pé. Seu rosto brilhava, rosado como o de um anjo.

- Conversou com a Robin? Ela ouviu alguma coisa?

- Não aconteceu nada, que ela não saiba. Nossa, faz calor aqui. -, ela disse tirando o casaco.

Lauren, sentada na cadeira perto da janela, balançava a perna cruzada, equilibrando a xícara de chá no tornozelo exposto, e encarava Charlie séria.

Charlie virou-se, cambaleando ligeiramente, olhou para Lauren e disse:

- O que está olhando? A virada do tempo te preocupa? -, ela disse com desdém.

- Tem uma garrafa aí no seu bolso? -, ela ignorou suas tentativas de pirraça e perguntou direta.

- Não.

- Mentira, Charlie. Ouvi o barulho da garrafa.

- E que diferença isso faz?

- Quero tomar um gole.

- Está bem -, Charlie disse irritada. E tirou uma garrafa de meio litro, chata, do bolso interno do casaco. - Tome -, disse. - Mas não banque a engraçadinha, me deixe um pouco.

Lauren bebeu o resto do chá e apanhou a garrafa.

- Obrigada. -, Lauren falou despejando dois goles na xícara. Olhei para ela - roupas escuras, sentada com as costas retas e pernas cruzadas na altura do joelho. A própria cópia de Dorian Gray e da respeitabilidade, a não ser pelos pés descalços. Assim, de repente, pude vê-la como o mundo a via, como eu a vi ao conhecê-la - fria, educada, rica, linda, absolutamente impecável. Uma ilusão tão convincente que mesmo eu, conhecendo a falsidade essencial da imagem, me sentia curiosamente reconfortada por ela.

Ela bebeu o uísque num gole só.

- Precisamos curar sua bebedeira, Charlie -, ela disse. - A aula começa em menos de duas horas.

Charlie suspirou e sentou-se ao pé da cama. Mostrava-se muito cansada, uma condição que não se manifestava em olheiras, ou palidez, mas na tristeza sonhadora e corada da face.

- Sei disso -, Charlie disse. - Contava com a caminhada para me ajudar.

- Precisa de um café.

Ela limpou a testa úmida com as costas da mão.

- Preciso muito mais do que um café -, ela disse.

Desamarrarei os papéis e comecei a copiar o texto em grego, na escrivaninha.

Lauren sentou-se ao meu lado e continuou conversando com a Charlie.

- E o Christian?

- Dormindo.

- O que vocês dois fizeram ontem à noite? Encheram a cara?

- Não -, Charlie disse, concisa. - Fizemos faxina na casa.

- Duvido. Você está brincando.

- Não estou, sério mesmo.

Ainda ligada ao momento que tive com Lauren mais cedo, a realidade do que todos nós fizemos na noite passado vinham à tona, complicando minha concentração no que copiava na lição. Apenas uma frase aqui, outra acolá que me prendiam.

"Cansados da marcha, os soldados pararam no templo para oferecer sacrifícios. Voltei daquela região e afirmei ter visto a Górgona, sem me transformar em pedra."

- Nosso apartamento está cheio de tulipas, se quiserem uma -, Charlie disse, e isso me confundiu.

- Como assim?

- Antes que a neve se acumulasse, Christian e eu saímos para recolher as flores. Enchemos todos os cantos. Até os copos d'água.

Tulipas, pensei, examinando o amontoado de letras em frente. Os gregos antigos usavam outro nome para elas, ou nem sequer conheciam a tulipa? A letra psi, em grego, tem forma de tulipa.

De repente, sai do torpor de devaneios e Lauren, agachada do meu lado, amarrava os sapatos enquanto me chamava.

- Camz, eu já vou indo, okay? -, ela disse se levantando e beijando a minha bochecha rapidamente. - Preciso ajudar a Charlie a ficar sóbria e me arrumar para a aula.

Temia ficar sozinha - ansiava para que Lauren ficasse, aliás -, mas entendia que tínhamos que nos apressar para a aula de grego e agirmos todos normalmente.

Lauren apagou a luz. A luz da manhã, fraca e sóbria, tornava meu quarto terrivelmente quieto.

- Nos vemos em seguida -, ela disse, e depois escutei os passos a sumir na escada. O silêncio cobria tudo ao amanhecer - xícaras sujas, cama desarrumada, flocos de neve a flutuar do lado de fora da janela, em uma calma leve, perigosa.

Quando retornei ao trabalho, as mãos trêmulas manchadas de tinta, incomodava-me o ruído da pena de papel, áspero a romper a calma. Pensei no quarto escuro da Dakota, no desfiladeiro distante vários quilômetros; nas camadas e mais camadas de silêncio.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora