Capítulo 66

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POV Lauren

Na segunda-feira, por volta das duas da madrugada, Camila pediu que eu a acompanhasse na caminhada da casa da Robin até seu dormitório. Christian saíra por volta da meia-noite; Robin e Charlie, que bebiam para valer desde as quatro da tarde, não se mostravam dispostas a diminuir o ritmo. Entrincheiraram-se na cozinha da Robin, apagaram a luz e preparavam entre risos que me assustavam uma série de coquetéis terríveis, chamados Blue Blazers, que incluíam uísque flambado, transferido em chamas de uma caneca de estanho para outra.

No dormitório dela, Camila - trêmula, preocupada, a face avermelhada de frio - convidou-me para subir e tomar um chá.

- Será que fizemos bem em deixá-las lá? -, ela disse, ascendendo a luz. - Tenho medo de que ponham fogo na casa.

- Não tem problema -, falei, embora pensasse a mesma coisa.

Tomamos chá. A luz nos aquecia no seu quarto silencioso e confortável. Em casa, na cama, em meu abismo particular de desejo, as cenas que sonhava sempre se iniciavam assim: no momento em que, um pouco tontas de bebida, nós duas ficássemos a sós, e ela, nesta situação, invariavelmente me tocava, como se por acaso, ou encostava em mim, convenientemente próxima, seu rosto tocando o meu, para mostrar uma passagem num livro; oportunidades que eu aproveitava, de modo gentil, para dar início aos prazeres mais violentos.

A xícara de chá, excessivamente quente, queimou a ponta dos meus dedos. Deixei-a de lado e olhei para Camila - distraída, fumando um cigarro, a meio metro de distância, apenas. Eu poderia me perder para sempre naquele rostinho singular, no pessimismo de sua linda boca. Venha até aqui. Vamos apagar a luz, vamos? Tais frases, que eu imaginava em sua voz, eram quase intoleravelmente meigas; agora, sentada a seu lado, seria inconcebível que eu as dissesse.

POV Camila

- Lauren -, lhe chamei, virando o rosto para vê-la.

Ela piscou algumas vezes, distraída.

- O que aconteceu realmente naquela noite na floresta?

Esperava, se não surpresa, pelo menos sua encenação. Mas ela nem disfarçou a calma.

- Bem, o que lembro agora é quase impossível de descrever. Hoje está menos nítido em minha lembrança do que há poucos meses. Talvez eu precise escrever novamente ou algo assim para não esquecer.

- E o que você se recorda?

Ela deixou passar um momento antes de responder.

- Bem, tenho certeza que já lhe contei tudo -, disse. - Dito em voz alta, parece meio tolo. Eu me lembro de um bando de cachorros. Cobras enroladas em meus braços. Árvores em chamas, pinheiros de fogo, como tochas enormes. Havia uma quinta pessoa conosco na maior parte do tempo.

- Uma quinta pessoa?

- Não era sempre uma pessoa.

- Não entendo o que está querendo dizer.

- Sabe como os gregos chamam Dionísio. πολνειδήξ. O que tem muitas formas. Algumas vezes era homem, outras mulher. E também outra coisa. Eu... posso lhe contar algo que me lembro bem -, ela falou abruptamente.

- O quê? -, eu disse, esperando algum detalhe passional, surpreendente.

- O sujeito morto. Deitado no solo. Sua barriga estava aberta e saía fumaça de lá.

- Da barriga?

- Sim. Fazia frio naquela noite. Jamais me esquecerei do cheiro. Pergunte a Robin. Ela também se lembra.

Horrorizada demais, não consegui dizer nada. Ela estendeu o braço para pegar sua xícara de chá.

- Você sabe por que estamos dando tanto azar agora?

- Por quê?

- Porque dá azar deixar um corpo insepulto. O fazendeiro foi encontrado logo em seguida. Mas você se lembra de Palinuro, na Eneida? Ele assombrou a todos, permaneceu entre eles por longo tempo. Temo que nenhum de nós consiga dormir à noite até que Dakota seja enterrada.

- Isso é besteira.

Ela riu.

- No século IV, antes de Cristo, a frota ática inteira adiou sua partida só porque um soldado espirrou.

- Não sei da onde tira essas coisas.

Depois de um momento de silêncio, ela disse:

- Você sabe o que eu obriguei eles a fazerem uns dias depois do que aconteceu na floresta?

- O quê?

- Eu os obriguei a matar um leitão.

Chocou-me mais a calma assombrosa com que ela contou isso do que o fato em si.

- Aí, meu Deus -, falei.

- Cortamos a garganta dele. E passamos o corpo de um para o outro, pelo alto, para que o sangue escorresse pelas nossas cabeças e mãos. Foi horrível. Confesso que quase vomitei.

Em minha opinião, as vantagens de se cobrir deliberadamente de sangue - mesmo sangue de porco - imediatamente após cometer um homicídio eram questionáveis, mas disse apenas:

- Por que você os induziu a fazer isso?

- Assassinar é poluição. O homicida desonra a todos com quem entra em contato. E o único modo de purificar o sangue é com sangue. Deixamos o porco sangrar em cima de nós. Depois entramos e nos lavamos. Depois disso, tudo bem.

- Está tentando me convencer -, falei -, que...

- Não se preocupe -, ela retrucou apressada. - Não planejo fazer algo do tipo novamente.

- Por quê? Não funcionou?

Ela não percebeu o sarcasmo.

- Claro que funcionou e muito bem.

- E por que não repetir o ritual?

Ela fez uma pausa e balançou a cabeça.

- Porque dessa vez não é necessário.

A História Secreta - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora