Capítulo 1 - O Ex

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"Eu era praticamente uma criança quando minha família vendeu-me para um casamento com um árabe rico de setenta anos, por dois mil dólares. Eu vi muitas meninas no campo de refugiados passando pelo mesmo e com alguns dias ou semanas éramos devolvidas até que alguém nos quisesse comprar novamente. E foi assim, após muitos casamentos falidos, que me tornei prostituta em um clube noturno."

Enxugo minhas lágrimas ao terminar de assistir o relato desta jovem síria que não quis ter o nome revelado. A angústia que sinto é imensa quando vejo as imagens de crueldade e os documentários deste povo. Se não bastasse o sofrimento de terem suas vidas destruídas, deixarem seus lares, famílias, vidas, sonhos para trás e ter que seguir vivendo como refugiados longe dos seus costumes e cultura ao redor do mundo, ainda enfrentam a malícia de pessoas que se aproveitam de suas fragilidades para os explorarem.

Gostaria de poder cuidar deles, acolhe-los e alimentá-los de perto. Oferecer-lhes o amor que lhes foi retirado de todas as maneiras que me fosse possível. Acesso um dos sites de uma entidade de apoio às vítimas da Síria, e decido fazer uma doação. Infelizmente, com o pouco dinheiro que tenho, o valor é tão simbólico que não sei como poderá ajudar de alguma forma, queria poder contribuir mais e que mais nenhuma garota precisasse passar por isso.

Olho no relógio e vejo que já é uma hora manhã. Respiro fundo, sabendo que terei um dia difícil pela frente devido à rebeldia da minha mente em não me deixar descansar.

O inverno ainda não chegou, mas, apesar do calor escaldante do outono carioca, puxo o cobertor para acima da minha cabeça, e volto a minha posição fetal para me forçar a dormir.

Não consigo entender o motivo de estar acordada, não há sons de bailes próximos, algo não raro na comunidade em que resido aqui no Rio de Janeiro, nem sequer as vozes de vizinhos animados que costumam jogar conversa fora se embriagando até tarde, hábito que sei que nunca terei, pois, minha aversão a álcool só não é maior que meu desconforto em conversar pessoalmente por tempo prolongado. Desta forma, tudo está calmo, não há importuno nenhum, inclusive... Nenhuma mensagem sequer.

Olho novamente para meu celular esperando uma novidade. É doze de junho, Dia dos Namorados, e em meu íntimo eu sonhei que seria diferente.

Remexo-me mais uma vez em minha cama e deito-me de barriga para cima encarando a escuridão do meu quarto. O documentário que vi, ao invés de distrair minha mente, deixou-me ainda mais deprimida.

— Não... Você não está com saudade de conversar com aquele babaca, não é? — resmungo para mim, sabendo que ao falar isso, confesso o contrário. — Droga! Além de ferrar teu psicológico, ainda te deixou com péssimos hábitos. — Indago sozinha pensando alto, em como aquele breve relacionamento, pôde ter sido tão tóxico para mim.

Não sei se o que vivi poderia ser considerado um namoro. Conheci meu "ex" cerca de um ano atrás em um hospital, enquanto realizava o estágio de minha faculdade de enfermagem. Não havia ido aquele lugar antes, desta forma, não calculei corretamente meu tempo de viagem e ao invés de chegar às 7 horas, cheguei quarenta e cinco minutos depois para a reunião que dono do hospital havia convocado com todos os que iniciariam suas atividades ali em breve.

Parei em frente à porta da sala onde, logicamente, a reunião já havia começado. Passei a mão por meus cachos ruivos tentando os arrumar, meu cabelo era extremamente fino e eu tinha certeza que o vento durante o trajeto no ônibus e a corrida que fiz para chegar ali a tempo, o tinha bagunçado. Sentia meu rosto suado, eu estava ofegante.

— Droga! Preciso mesmo entrar aí? — Falei comigo baixinho. O que o dono de um hospital poderia ter para falar com simples alunos? Se fosse algo importante, não seria passado ao coordenador do curso?

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora