Capítulo 82 - Abismo

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Enxugo o rastro molhado que uma lagrima salgada havia deixado por minha bochecha, enquanto vasculho sacolas por sacolas, ignorando alguns sapatos de salto alto que ele insiste em me trazer.

Estou exausta de olhar todos esses vestidos, saias e blusas luxuosas, pois, quando olho meu reflexo na vidraçaria da janela, nada parece que irá combinar comigo. Eu sei que qualquer coisa deve servir, contanto que Rafi desista de enviar minha peça íntima por seu novo pombo-correio, mas estou pálida e meu rosto fundo demais para que qualquer uma dessas roupas caras fiquem boas em mim. Sinto-me deslocada, como se estivesse dentro de uma fantasia.

Estou quase desistindo quando encontro um vestido simples de linho branco, com uma fileira de botões marrons do decote até a barra, e mangas três por quatro. O examino nas mãos, parece confortável e igualmente quente. Irá me acolher bem e afastar meu frio repentino.

Visto-o e caminho até a janela, sacrificando meu desejo de não o ver, aguardando que mais uma vez se exiba frente a ela, e olhando para mim, veja o que visto, e desista de sua ideia imoral. Mas ele não aparece.

Sinto-me desesperada e cansada. Toda nossa conversa foi muito exaustiva para mim. Ainda me sinto nauseada ao lembrar da mulher que beijava seu rosto. Apesar de saber quem ele é e que ela também deveria estar ciente onde estava se metendo, é difícil o imaginar tão frio, machucando alguém.

Volto-me para a poltrona, soltando um suspiro silencioso enquanto descanso a cabeça em seu encosto.

Não consigo ficar a sua espreita por muito mais tempo, muito menos dormir. Como posso deitar minha cabeça no travesseiro, sabendo que terei uma péssima surpresa amanhã?

Gostaria de ter um pouco da valentia que se apoderou de mim seis dias atrás mais uma última vez, para sair desse quarto, lhe dar um tapa na cara e exigir o que é meu.

No entanto, por mais covarde que eu pareça, antes que eu pense em como cheguei aqui, meus pés pálidos e descalços já tocam a relva úmida pelo orvalho da noite e as flores rasteiras do jardim que cerca a casa. A minha frente, a uma distância de dez metros, reconheço a silhueta de Rafi, que se afasta em direção as árvores densas da floresta e me apresso em o seguir.

- Anália? - Atrás de mim, ouço por detrás da porta de entrada a voz do Colin que me chama com tom curioso. Eu voltarei para lhe explicar depois, mas não posso parar nem por um momento ou minha coragem será apenas uma lembrança.

- Rafi! - Corro em seu encontro, seguindo o dorso definido e largo, agora desnudo, que conheço bem.

Seus cabelos cheios e negros como o céu acima de nós, reluz contra a forte luz da lua cheia, mas não sei por quanto tempo ela será suficiente para que eu não o perca de vista.

- Rafi! - O chamo mais uma vez, começando a ficar ofegante. Um arrepio estremece meus ombros, quando o frio começa a ficar mais intenso a medida que nos distanciamos da casa.

Dói o ver seguir totalmente indiferente a minha presença e sem olhar para trás, embora eu saiba que ele me notou, antes mesmo que eu o chamasse. Até parece tentar me atrair.

Está cada vez mais escuro e tenho dificuldade para andar e me desviar dos galhos caídos no caminho, tornando o cenário quase sombrio.

Talvez eu devesse desistir, não sei se acertarei o caminho de volta se continuar me distanciando. Mas, sugando o ar gélido com toda a força, corro até que minhas pernas falhem faltando poucos centímetros para que o alcance.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora