Capítulo 4 - Carolina

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— Carolina, podemos conversar? — Envio, aguardando sua resposta.

Escolho arriscar por ela, pois, com o tempo que a conheço, sei que tem hábitos noturnos.

A primeira vez que a vi, foi há três anos e meio atrás, em meu primeiro ano de faculdade na aula de genética. Quando a olhei sentada no fundo da sala, próxima à parede, tão encolhida como se às duas fossem uma, logo percebi que havia algo em comum entre nós. A sala estava vazia, exceto pela sua presença, desconfiei que usasse a mesma tática que eu, chegar aos lugares cedo o suficiente para não ser notada.

O acento próximo à parede no lado oposto a ela estava disponível, e era perfeito para mim, escondido o bastante. Ainda assim, ao entrar na sala e vê-la olhar em minha direção, fazer-me um ar de riso discreto e logo desviar, como se esperasse que eu não correspondesse, fez-me sentir um pouco de simpatia por ela. Decidi sentar ao seu lado, talvez para prová-la que eu não era como provavelmente ela havia julgado, e não pretendia ignorá-la. Ela continuava espremida a parede, focando o nada. Eu esperava que ela ao menos olhasse em minha direção para que eu pudesse lhe retribuir o sorriso. No entanto, ela não fez. Excepcionalmente naquele dia, decidi vencer minhas barreiras e tentei iniciar um diálogo.

— Bom dia...

— Bom dia. — Respondeu olhando para frente, onde não havia absolutamente nada, além de um quadro em branco.

Resolvi insistir mais um pouco. — O dia está quente hoje, não?

Não diga? Em pleno verão no Rio de Janeiro, isto não é nenhuma novidade. Você é tão boa quanto o vampiro do Crepúsculo formulando conversa, Anália!

— Sim... Até mesmo para mim, que nasci no Ceará. — Ponto! Pelo menos minha observação torta foi útil.

— Que legal! As dunas  de lá são lindas, sonho em conhecê-las um dia.

— Tem muitas coisas bonitas por lá. Poderei te levar um dia se você quiser.

Assustei-me com sua proposta, não esperava ser convidada para um passeio durante um diálogo tão breve. Ainda mais quando ela nem sequer dirigiu o rosto a mim para falar comigo, o que me deixava desconfortável e cogitando que ela não desejava aquela conversa. No entanto, não fazia sentido pensar desta forma quando ela se mostrava tão prestativa.

— E quem recusaria... Mas, por que está me convidando, se nos conhecemos há tão pouco tempo?

—Te achei legal. — Disse, dando de ombros.

Achei um ponto divergente entre nós: confiar rapidamente nas pessoas.

— Bom, então deixe-me apresentar. Sou Anália, prazer em lhe conhecer. — Falei estendendo a mão pra ela, forçando-a olhar para mim. — E você como se chama?

Ela hesitou por um momento, e então virou-se apertando minha mão. — Sou Carolina. O prazer é meu também.

Fiquei ali observando seu rosto por um breve tempo. Não queria que se sentisse incomodada, mas entendi o porquê do seu comportamento anterior. Carolina usava um lenço laranja que dava a volta por sua nuca, subia por cima das orelhas cobrindo também parte das laterais do seu rosto, terminando em um laço no topo de sua cabeça. Seus cabelos castanhos estavam soltos para fora do lenço, passava um pouco mais dos ombros. Suas bochechas eram redondas, possuía um semblante doce, olhos castanhos grandes e assustados, e apesar de sua pele morena, ela parecia pálida. Porém, se estendendo até metade do seu olho e bochecha do lado direito, havia uma grande cicatriz de queimadura.

Permaneci com minha expressão neutra e tentei continuar a conversa que já fluía agradavelmente em um curto espaço de tempo. Ela tentava esconder e ignorar aquilo, e apesar de saber que se esquivar não é melhor maneira de resolver um problema, eu respeitei sua escolha, e respeitarei até que se sinta confortável para falar sobre, se assim o quiser.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora