Capítulo 3 - Bruno

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- Venha querida Anália. Sente aqui no colo do vovô.

A luz está apagada como das outras vezes, apenas a luz da TV transmitindo o jogo ilumina a sala. Ele me olha e sorri, mas já não consigo sentir carinho em seu gesto. A vovó já dorme no quarto, e meu pai também está trancado no seu, como sempre faz depois que a mamãe foi embora com outro homem, me deixando apenas um bilhete de despedida. Eu não quero ir, mas vou, ainda sem entender o motivo da minha repulsa.

- Isso... Boa menina. - Ele me puxa para seu colo colocando cada uma das minhas pernas, lado a lado das suas. Como já fizera antes, movimenta suas pernas subindo e descendo. - Vamos brincar de cavalinho... Isso não é bom? - Não, não é. Sua voz próxima ao meu ouvido me assusta. Faz-me de alguma forma imaginar que ele pode me fazer mal.

Sempre que inicia esses movimentos, sua respiração se torna diferente, e até isto me incomoda. Penso em falar sobre estes acontecimentos com alguém, mas receio que não posso. Tenho vontade de chorar, porém, não faço, e continuo ali imóvel, esperando-o terminar com aquilo. Mas, não terminou. No momento, vejo sua mão subindo por minhas coxas, em direção ao lugar que eu sei que ele não deveria ir.

Não! Não! Não! A mamãe sempre disse que não podia! Sempre disse que ninguém deveria me tocar aqui.

Mexo-me em seu colo querendo sair. Mas, ele me segura. - Fique quieta, Anália! - Diz baixo, porém, bravo. Eu quero gritar, mas não consigo, estou com muito medo. No entanto, em um ato de pânico, me jogo com força em direção ao chão, passado a mão em um deslize, numa xícara de café antes apoiada no braço do sofá, fazendo audível o som de porcelana sendo quebrada contra o piso. Então, corro para meu quarto.

- Anália! Anália! - Me chama furioso.

Faz-se um barulho de porta sendo aberta, e agora ouço a voz do meu pai:

- Pai, o que ouve?

- Aquela garota insolente! Derrubou meu café!

- Oh, não deve ter feito por mal. Vou limpar isso para o senhor.

Acordo, sobressaltada. Estou ofegante, porém, meu corpo está gelado. Foi como estar novamente naquele cenário, o pânico que sinto é real. Peguei no sono sem perceber, e lembrar-me do Eduardo sempre me leva a estes sonhos.

Olho novamente no relógio, agora marcam 02h15min. Putz... Nunca desejei tanto que amanhecesse logo.

Ainda estou atordoada pelo que assombro que tive, sinto urgência em me livrar destes pensamentos. Abro a gaveta de meu criado mudo, e pego o livro ali guardado, a obra de William Shakespeare, Romeu e Julieta, um clássico que não canso de relê-lo. Entretanto, neste momento ele não é suficiente para me arrebatar do meu mundo como das outras vezes, pelo contrário, fecho-o com força sabendo que na vida real é impossível alguém amar e devotar alguém na mesma intensidade, muito menos em tão pouco tempo como no caso de ambos que o amor durou apenas três dias.

Guardo-o novamente no local de onde o tirei e decido que talvez uma música me faça melhor. Ponho meus fones, mas logo desisto, sei o que preciso agora.

Tenho que confessar, estou me sentindo solitária. Por mais que eu queira me convencer que sou suficiente sozinha, eu necessito de contato humano.

***

Foi escolha minha morar só. Após o ocorrido naquela noite com meu avô, a tristeza que eu sentia por não estar mais em minha antiga casa, era crescente. Passei a me esconder dentro do quarto, com medo que a qualquer momento ele me chamasse para aquele ato novamente, ou me punisse pelo que eu havia feito. Minha avó sofria preocupada comigo. Eu não queria mais comer e nem brincar, minhas notas na escola já não eram as melhores, o que logo foi perceptível aos professores que algo estava errado, eu sempre fui uma estudante exemplar.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora