Capítulo 29 - Incertezas

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Uma leve penumbra cinzenta de um amanhecer nebuloso, parece pintar o quarto de melancolia, quando desperto inesperadamente antes que o sol aponte por completo no horizonte.

Ouço o chilrear habitual de alguns bem-te-vis que se abrigam na janela levemente aberta, protegendo-se da chuva que continua pesada lá fora, revelando um dia tão escuro e pesaroso quanto meus pensamentos.

Relembro estremecida os acontecimentos de ontem a noite. Não  esperava novamente ver cenas reais tão atrozes, muito menos ficar tão desnuda emocionante em meio a revelações tão íntimas.

Eu deveria sentir dor e pesar interiormente, mas após aquilo, meu corpo parecia dormente e minha cabeça enevoada.

Estranhamente, tudo era confuso como se envolto numa bolha entorpecente. Ao invés de repelir a Rafi, eu o mantive próximo a mim, respondendo sem reagir aos comandos do meu corpo.

Durante as horas que esteve ao meu lado, estivemos conectados por uma ligação suave e silenciosa como a brisa fria que nos envolvia, enquanto o mundo em nosso redor se tornava menos presente, restando somente o som de nossa respiração sincronizada.

Os chuviscos discretos que roçavam nossa pele, pouco a pouco se tornaram densos, interrompendo bruscamente nosso contato e o fazendo se apressar em nos retirar dali. Novamente, minha mente não respondeu, e eu apenas me  permiti ser posta em seus braços e levada para dentro. Seu aperto firme era ao mesmo tempo, sutil e meu corpo quase não tocava o seu.

A sequência de suas ações foram em todo o tempo, silenciosas e distantes.

Carregada para o banheiro, me entregou um roupão seco e me aguardou no lado de fora.

Em seguida, levou-me para o quarto e me pôs sentada numa poltrona, deixando-me a sós por alguns minutos. Logo depois, retornou com um sanduíche de queijo com algumas rodelas de tomates e um copo com água. Comi sem relutar. Mastiguei e engoli apressadamente, enquanto seus olhos pousavam sobre mim, aguardando que eu concluísse minha janta improvisada.

Após isso, aconcheguei-me na cama sentindo lençóis pesados sendo postos sobre mim, então meu corpo e mente se desligaram por completo e caí num sono profundo.

Agora desperta, tudo se tornou mais vergonhoso e assustador. Não sei o que esperar hoje, muito menos como irei reagir ante a ele. Estou constrangida demais para agir naturalmente ou conseguir encará-lo.

O quarto segue imerso em sombras e congelado num silêncio deprimente, ao contrário de minha cabeça agitada, que lateja. É difícil voltar a dormir. Remexo-me impaciente sob as cobertas, que apesar de densas, não são suficientes para aplacar meu frio, embora o aquecedor do ambiente também esteja ligado. Considero que talvez seja uma resposta física de meu estado interior.

Cautelosamente, escorrego para fora da cama, evitando ao máximo qualquer ruído que possa chamar atenção de Rafi e sigo a passos lentos e suaves para o banheiro.

Apesar de apenas aumentar minha perturbação interna, talvez esse ambiente quieto seja necessário para colocar meus pensamentos em ordem.

Em outras ocasiões eu fugiria, me esconderia, me abraçaria contra minhas pernas e torceria para nunca mais encontrá-lo. No entanto, a opção mais plausível que acho, é encara-lo ou torcer para que seja acometido por uma amnésia súbita.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora