Capítulo 17 - Feridas

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Olho através da janela de minha sala, sentindo a brisa fria do raiar do dia, arrepiar minha pele. Abraço-me ajudando a aquecer meu corpo, recordando-me de como meu ser era aquecido por suas mensagens ao acordar. Neste momento, sua voz sonolenta me desejaria bom dia e eu desfrutaria de seu sorriso preguiçoso. Fecho os olhos enquanto acaricio o colar dourado com pedra de âmbar preso em meu pescoço, tentando amenizar o aperto doloroso em meu peito, isto é tudo que me restou dele, além das lembranças.

Atento-me as pessoas que passam lá fora, como forma de me impedir de chorar outra vez. "Por favor, não chore. Não mereço", estas seriam suas palavras novamente, Rafi nunca gostou de me ver chorando, não gostaria de me ver assim independente de qual fosse o motivo.

A vida continua. Para muitos esta é uma frase válida. Apesar de considerado um ano difícil, todos estão eufóricos com a chegada do novo ano, andam apressados com os preparativos para a comemoração; compram comidas, bebidas e roupas novas, prontos para pôr em prática o verdadeiro significado da palavra "réveillon": despertar ou retomar. É quando despertamos que por mais custoso seja o que passamos, haverá a chance de retomarmos do zero e idealizar novos sonhos e projetos. Nossos momentos presentes se tornarão memórias, sejam eles bons ou ruins; as dores são curadas e as feridas tornam-se cicatrizes, porém, isto não se aplica em mim. Por dentro, sangro todos os dias com sua ausência, como no primeiro sem ele.

Vou para minha mesa e abro meu notebook, preparando-me para retomar às minhas aulas on-line de árabe. É doloroso submeter-me a isto, tendo que recordar as motivações em iniciá-las, e de todas às vezes que praticamos juntos, porém, não posso abandoná-las, um ano de curso foi pago por Bruno, que não aceitou que eu o reembolsasse; não irei desperdiçar seu dinheiro.

Aguardo que a vídeo-aula inicie, enquanto meus olhos correm para o canto direito de minha tela, onde nosso antigo aplicativo de comunicação está localizado. Mesmo sem notificação de novo recado, o abro passando rapidamente as inúmeras mensagens que o mandei, chegando às últimas enviadas por ele. Releio-as várias vezes, imaginando-o do outro lado as digitando para mim. Sorrio, deleitando-me na doce ilusão, então sinto o calor das lágrimas umedecendo minhas bochechas quando me atento que tudo não passa de um alívio fictício.

— Não consigo! — Exclamo, fechando o notebook. Está machucando demais para que eu me mantenha forte.

Como nos outros dias, dou alguns goles em minha garrafa de vodca e espero que o líquido que desce ardente por minha garganta, cumpra seu papel de abrandar minha amargura, enquanto caminho pela casa, sentindo-a silenciosa e vazia novamente, como há muito não a achava. Outra vez, sou posta de frente a minha realidade solitária, de que talvez fui deixada para trás mais uma vez, por quem acreditei me amar e idealizei planos.

Torno para a sala enrolada em meu cobertor e deito-me no sofá. Apesar da minha falta de apetite, engulo um sanduíche de queijo aparentemente insípido, enquanto olho a TV mesmo sem me atentar ao que vejo; ao menos uma fonte de carboidrato e proteína está sendo depositada em meu corpo. Permaneço mergulhada em pensamentos, sentindo meus olhos pesados e minha mente leve, me arrastando para um sono perturbado com sonhos confusos, até que a vibração de meu celular me desperta.

Você deveria estar aqui, Anália. — Leio a mensagem de Carolina, enviada junto a sua foto sob um lindo pôr do sol numa praia de Fortaleza. Apesar de sua insistência, recusei seu pedido de ir junto, mas, estou feliz em vê-la se divertindo. Ela merece isto.

Aqui, o céu também está lindo. — Respondo-a igualmente com uma foto de minha janela, mostrando a garoa que se iniciou.

Você e seus gostos peculiares. — Rio com sua resposta. A esta altura, ela já conhece meu amor pela chuva. Observo-a tornando-se mais densa, afundando no cheiro de terra molhada e boas lembranças. Quando retorno a mim, já estou na porta vendo-a cair, vestida em meu pijama enorme.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora