Capítulo 50 - Apreço

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Viro-me na cama, que parece muito mais confortável e macia que o habitual, ao ponto de quase não incomodar meus machucados.

É manhã e eu não estou em outra cama, nem mesmo os lençóis de ontem a noite foram trocados, apenas meu corpo parece leve, embora ainda muito dolorido.

Como esperava, toda ferida quando está sendo remediada castiga, mas após a dor inicial, o incômodo torna-se insignificante comparado ao alívio de uma úlcera tratada.

Eu não imaginava que poderia voltar aquilo depois de tanto tempo, ou que meus piores sentimentos a quais estou condenada, o rancor e ódio, pudessem ser aceitos e acima de tudo, compreendidos.

Émile conhece o ocorrido, mas não as emoções que alimentei após isso, e nesta manhã, eu me sinto aceita.

Ele não está mais aqui. Não sei à que horas saiu, apenas lembro quando deitou minha cabeça no travesseiro e sussurrou "eu estou aqui". Desde então, continuei em um sono interrupto, sem Fernán, monstros ou gritos.

Respiro fundo enquanto olho para o teto, mergulhada nessa sensação.

Eu quase pude sentir que finalmente estava nos braços do antigo Rafi e ainda não posso entender como foi possível estabelecermos aquela conexão e confiança para abordarmos assuntos tão delicados, mas preciso tornar a realidade que infelizmente aquele Rafi se foi, ou melhor, nunca existiu.

Não posso deixar minha mente me enganar novamente. O ponto que nos conecta não é o amor, mas uma rivalidade e, apesar de falarmos sobre coisas tão profundas ontem, deixamos de lado o ponto principal: minha tentativa de fuga e o que ele fará, ou fez, a respeito disso.

Sinto minha boca se tornar seca enquanto em minha testa, brotam gotas frias de suor, ao pensar no que será de mim. Que eu agi por suas costas, sei que ele já está ciente, o que me resta agora é implorar por misericórdia.

***

— Precisa de ajuda? — Colin se dispõe, ao passar em frente a porta do banheiro, no momento em que arrasto os pés com dificuldade para fora dele.

— Não. Não com isso. Não se preocupe, eu chego lá. — Digo caminhando com cuidado até a cama.

— Não com isso? Precisa de mais alguma coisa?

Sorrio para ele enquanto o olho de soslaio.

— Por que ainda me ajuda? Pensei que todos vocês me odiassem depois do que fiz. — O questiono, notando seus olhos que se desviam.

— O que você fez é problema do Rafi. — Fala dando de ombros.

— E meu. — Murmuro com desgosto.

Chego à cama, pegando uma escova de cabelo com espelho em seu dorso, e olho meu reflexo enquanto me sento.

— Estou horrível. — Digo observando meu rosto ainda marcado e inchado.

— Seu cabelo está pior. — Ri enquanto se senta ao meu lado.

Reviro meus olhos o fazendo caçoar ainda mais, observando meus cachos desgrenhados de dois dias sem ver um pente. Não posso chamá-lo de mentiroso.

Na verdade, sua chatice me arranca boas gargalhadas às vezes, eu gostaria de tê-lo em meu círculo de amigos. Tenho certeza que eles adorariam conhecê-lo, embora o Daniel ficasse enciumado, Émile certamente fugindo de mais um pretendente, e eu e Carolina perdidas em meio a essa confusão, ainda assim, seria uma ótima companhia. É agradável como em poucos minutos a seu lado, minha tensão anterior diminui. Uma pena que não o conheci em outras circunstâncias.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora