Capítulo 67 - Paradoxo

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Meus pés descalços tocam o piso frio de um lado para o outro enquanto aguardo os próximos acontecimentos do meu futuro.

Já são três da tarde e Rafi ainda não voltou, mas um de seus homens mal-encarados está lá parado perto da porta como um guarda da rainha, vigiando todos os meus passos.

Aliás, ele escolheu o mais detestável para essa missão, o mais velho e rabugento dos soldados que sempre me olhou com repulsa e hoje sua feição desgostosa está mais evidente.

Não costumo sentir fome facilmente, mas a ansiedade tem corroído meu estômago e estar vazio desde ontem, o faz doer.

Eu passei dos limites. Além de tudo que aconteceu, eu passei dos limites chamando o Rafi de pervertido e patético. Eu nem sei como ele reagirá a isso quando tornar ou se estará totalmente sóbrio de seja lá o que for que alterou sua consciência.

Sei que bêbados podem ficar violentos, meu pai era um deles, e temo qual passará por aquela porta. Embora, por algum motivo eu tenha certeza que ele seria incapaz de me agredir, ainda não sei o que ele pode fazer.

Um soluço alto escapa de minha garganta me fazendo dar conta que estou chorando como uma criança abandonada. Na verdade, é quase assim que me sinto. Se Bruno realmente fugiu, porque ainda não veio me buscar?

Ponho, discretamente, cabeça para fora do quarto conferindo se fui audível para o infeliz petrificado na sala. Não quero demonstrar-lhe minha fraqueza, mas, para minha vergonha, consto que ele não apenas ouviu como agora comprovou ao ver meu rosto vermelho.

Fungo tentando ao menos impedir o líquido viscoso que escorre pelo meu nariz e corro para o banheiro, fugindo de seus olhos mortíferos.

Bato a porta libertando o ar preso em meus pulmões junto às minhas lágrimas agora sem freio algum. Um choro de aflição, medo, incerteza e principalmente decepção. Eu ainda não tive tempo de colocar para fora toda a frustração que me acertou como uma facada hoje pela manhã.

Foi semelhante ao dia que descobri a verdadeira identidade do Rafi. Sonhava com um anjo e acordei com o diabo.

É difícil não pensar no porquê que estou sendo submetida a tantos acontecimentos ruins, embora eu saiba que não devo questionar isso. Desde cedo aprendi que nenhum ser humano está isento aos percalços da vida, porém, também desconfio de possivelmente estar usando isso como desculpa para minhas escolhas erradas.

Sim, por mais que eu tente buscar uma justificativa em terceiros, sei que a responsabilidade em ainda me deixar ludibriar pelas breves fagulhas do antigo Rafi que surgem, é inteiramente minha.

Eu preciso jogar a primeira pá de terra para enterrar o passado.

Solto um suspiro deprimente enquanto me abraço para espantar o frio de minha pele. Eu gostaria de tomar um banho quente e me esconder sob os lençóis, mas não consigo fazer isso com um estranho no quarto em um banheiro sem chave. Tudo que me resta, é jogar um pouco de água no rosto, mas três novas sacolas sobre a pia, estampadas por famosas marcas de roupas femininas, chamam minha atenção.

Por um breve tempo, encaro confusa aquelas embalagens de luxo, até atentar para o pequeno bilhete pendurado em cada uma delas, escrito em uma caligrafia bonita "Para Anália".

Solto um riso meio engasgado, enquanto o vermelho em minha face, causado pelo choro agora é intensificado pela raiva e apaziguado pelo alívio.

É tranquilizante pensar que não ouvirei novas acusações quando Rafi voltar ao quarto, mas, é assim que ele conserta o que faz?

Eu gostaria de ser forte o suficiente para arremessar diretamente no lixo, mas a essa altura, ele me conhece ao ponto de saber que sou curiosa demais para não bisbilhotar isto como estou fazendo agora, ficando perplexa com o vestido vermelho que retiro de dentro.

Desejo PerigosoOnde histórias criam vida. Descubra agora