Capítulo 35

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Boa leitura!

~•~

Ele realmente estava incomodado com alguma coisa e aquilo estava me deixando incomodada, pois Natsu não parava quieto. O flagrei me olhando várias vezes, mas ele desviava o olhar quando via que eu estava olhando. Sentia que queria me dizer algo, mas faltava coragem e isso fazia com que minha imaginação voasse.

— Aconteceu alguma coisa? – perguntei quando ele levantou pela milésima vez do sofá.

— Hum?

— Você 'tá estranho. Quer me falar algo?

— Não, nada.

Acreditei muito naquilo.

— Sério?

— Não, na verdade… – olhou para Nashi. — A gente pode conversar, a sós?

— Claro. – tirei a cabeça da menina do meu colo e apoiei no sofá. — Espera aqui um pouquinho, eu já volto. – falei.

— Não 'demoia. – disse me olhando.

Sorri e assenti.

Natsu segurou meu pulso e me guiou até o quarto. Devia ser algo muito sério.

— O que foi? – sentei na cama.

— Eu queria conversar… – deixou no ar e eu esperei a continuação, mas não houve.

— Sobre?

Ele ficou quieto, parecia pensar no que ia dizer e aquilo me deixou preocupada.

— Você ficou estranha quando fiz a brincadeira sobre um possível bebê. – parecia incerto sobre como continuar.

— Isso não é verd-

Ele me interrompeu.

— Eu nunca perguntei diretamente isso, mas… Como foi a gestação e o nascimento dela? 

— Ela nasceu de parto normal, com 49 cm e 3,800kg. Foi um bebê grande e gordinho. As bochechas tão fofas. – sorri ao lembrar. — Mas já te contei isso, não?

— Sim, mas eu quero saber tudo. Como foi? Você teve medo? Teve assistência? Foi difícil? E eu acho que você entendeu que não digo apenas sobre o dia do nascimento.

— Por que você quer saber isso agora? – apertei as mãos. — Já passou muito tempo.

— Eu estranhei sua reação naquela hora e sinto que tem a ver com aquela época.

— Você não precisa se preocu-

— Por favor, Lucy.

Eu realmente não queria contar, mais por ele do que por mim, mas Natsu me olhava tão intensamente que parecia não ter outro caminho sem ser o da sinceridade. Bati ao meu lado na cama e ele sentou. Respirei fundo e comecei a história.

— Sabe quando dizem que a gestação é o melhor momento? Ou como não tem nada mais gratificante do que esses 9 meses? Bom, eu discordo disso. – tentei fazer piada, mas não adiantou. — Você pode imaginar como meus primeiros meses foram uma merda, né? Além do mal estar comum da gravidez, tinha as variações de humor e eu acredito que toda a situação com seus pais potencializou o que senti. – vou contar tudo de uma vez e detalhado. — Tentei abortar. Tomei aquele chá, mas ele não funcionou e eu apenas passei mal, passei muito mal. Fui maltratada no hospital quando descobriram o que tentei fazer. Me disseram coisas horríveis: "devíamos te deixar sofrer 'pra aprender" e isso me fez sentir pior. – eu nem olhava no rosto dele. — Assim eu soube que o destino dela era nascer, 'tava na hora de aceitar e me acostumar. Minha mãe me deu uma bronca quando me recuperei, mas me entendeu e acolheu. Fizemos muitos planos. Comecei o pré-natal, compramos coisinhas 'pro bebê e de repente, me vi curtindo a gestação. Eu sinceramente achei que as coisas finalmente dariam certo 'pra mim, mas então a vida me deu uma rasteira gigante. – sequei as lágrimas. — Minha mãe faleceu e eu fiquei perdida… Sozinha. Eu não tinha mais ninguém comigo, nem emprego, nem nada. Eu tinha o apartamento, mas como mantê-lo sem dinheiro? Então eu tentei abortar novamente. Não com o chá, pois sabia que eles eram mais efetivos nos primeiros meses e por isso fui em uma dessas clínicas, mas já tinha passado do tempo permitido e "ideal". – falei tudo sem olhar para ele.

Eu não tinha coragem de encará-lo. Acabei de dizer que tentei abortar nossa filha. Fiquei esperando uma reação, mas não houve nada. Me perguntei se ele estava ouvindo.

— Continua.

Tremi ao ouvir seu tom extremamente sério.

— Me arrependi assim que cheguei em casa e percebi o que quase fiz. Eu prometi amá-la e ser forte por nós duas. Segui com os planos, mas precisei fazer uma pequena curva e sair da cidade. Mesmo com todas as dificuldades, meu amor por ela crescia mais e mais. – sorri. — Você perguntou se eu tive medo, né? Claro que eu tive. Era tudo novo 'pra mim e eu 'tava sozinha. Não tinha ninguém 'pra segurar minha mão e dizer que eu 'tava fazendo um bom trabalho ou falar que tudo ia ficar bem. – sequei as lágrimas. — Doeu muito! – fiz careta. — Ficaram forçando o parto normal, mesmo tendo passado da hora. Tive que ouvir que era fraca por estar reclamando da dor, porque eu era adulta e devia aguentar. Fora as outras coisas horríveis que ouvi da equipe. Sabe, as pessoas ignoram, mas a violência obstétrica existe e é muito cruel. – só de lembrar… — As contrações me fizeram querer apagar e só acordar com o bebê nos braços, mas como eu 'tava sozinha lá, fiz o maior esforço 'pra me manter acordada, o que foi muito difícil. Quando a levavam do quarto ou eu dormia, tinha medo dela desaparecer.

— Espera, espera. Sozinha? Você não 'tava na casa de parentes e depois voltou?

— Sim, 'pras duas perguntas. Eu 'tava sim na casa de parentes e são ótimas pessoas, mas era véspera de Natal. Eu sabia que podia contar com eles a qualquer momento, mas não podia pedir que mudassem seus planos por mim, até porque, tinha outra criança na casa. Quando as contrações aumentaram, peguei a bolsa e fui à maternidade sem avisar. Me arrependo disso hoje, mas na época me pareceu uma boa escolha. Minha vida é cheia de péssimas decisões. – brinquei com meus dedos. — Eu fiquei assustada com toda aquela dor, sabia que doeria, mas não daquele jeito. Em alguns momentos, cheguei a pensar que a perderia ou morreria. – não gosto nem de lembrar. — Sobre voltar, quando cheguei à cidade, Gray foi a primeira e única pessoa a me visitar. Me ofereceu ajuda com comida, até conta minha ele pagou e mesmo eu querendo negar, aceitei tudo. Não havia espaço 'pra orgulho naquele momento. Eu não tinha emprego e nem perspectiva de encontrar um, precisava muito daquela ajuda e sou extremamente grata a ele por isso. – tomei coragem e finalmente o encarei. — E essa é toda a história da minha gestação e nascimento dela.

Não era toda a história daquela época, mas era o máximo que conseguia contar.

Natsu tinha uma expressão vazia no rosto e mais uma vez me perguntei se fui ouvida. Toquei seu braço e consegui sua atenção, mas não do jeito que eu queria. Conseguia ver que ele se segurava para não chorar e isso me perturbou. Antes que eu dissesse qualquer coisa, ele afastou minha mão, se desculpou, levantou e disse que precisava sair. Eu fiquei meio perdida, mas deixei o quarto em tempo de vê-lo passar pela porta.

— Seu pai disse onde ia?

— Não. – deu de ombros.

Sentei ao seu lado e lhe dei um beijinho na sua testa.

Será que ele ficou com raiva por eu ter tentado abortar? Era compreensível, eu tentei tirar a filha dele, não uma, mas duas vezes.

Será que eu devia ir embora?

~•~

:(

A Mistura PerfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora