Prólogo - 15 anos

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Os primeiros anos desde a coroação de Carya, a rainha Tiger, foram mais difíceis do que se poderia imaginar. A nobreza se dividiu entre apoiadores de sua nova lei anti escravagista e aqueles que não queriam abrir mão de sua mão-de-obra barata em prol daqueles que não eram considerados dignos de serem tratados como pessoas, com respeito. Algumas tentativas de assassinato foram descoberta e seus mandantes sumariamente enforcados em praça pública como traidores. O fim da guerra contra os leoninos também não ajudou à amenizar os ânimos. O povo conhecia os leoninos apenas pelos mitos de serem canibais bárbaros, mitos de mais de 100 anos, e pelos ataques às suas cidades. A tensão foi tão grande que gerou uma revolta em Smilon. Por dois dias as pessoas de diversas idades, gênero e condição financeira saíram às ruas numa onda de violência e vandalismo que precisou ser reprimida com todo rigor da lei.

O caos começara a diminuir nos últimos 2 anos, com inúmeras políticas de educação e apoio financeiro aos novos servos, além de eventos e feiras reunindo os dois povos, leoninos e Tiger, em festividades sacras. Lentamente, os dois povos passaram a se conhecer melhor e as barreiras pareciam cair lentamente. Carya e Lordok se encontravam com enorme frequência, buscando resolver os problemas de fronteiras, formar alianças econômicas e matar as saudades. Kursk fora adotado oficialmente como filho de Carya e Rodan, mas sua origem foi exposta à todos para que nunca houvesse dúvida do sangue real que corria em suas veias. Rania era o amor de toda Likastía. Seu jeito mandão e doce, além de seu talento mágico poderoso, atraía o carinho de leoninos e Tiger de um jeito que Carya estava sempre em alerta pra que a filha não crescesse mimada. Aliás, esse era o motivo de praticamente todas as brigas que tinha com Rodan. Rania era muito bajulada pelos servos, guardas, nobres, a sacerdotisa-mor de Kallisti, os magos, Devon, seus avós, Lordok e Teira, Vó... Até o jeito de Rania falar demonstrava o jeito manhoso que tinha. Kursk era mais...adulto. Com 7 anos, o garoto fazia praticamente tudo sozinho. Se arrumava, estudava, falava como um sábio adulto, era extremamente responsável e tinha o que Carya chamava de "complexo de herói", pois o garoto estava sempre salvando alguém de alguma coisa. Kursk era praticamente o guarda pessoal de sua irmã adotiva. Onde Rania estava, o garoto não estava muito longe. Os dois nunca se desgrudavam.

Quase nunca. Rádara nunca visitava Carya, mas Devon sempre ia com Dreyfus. Dreyfus era um leonino de gênio forte, justo, mas um tanto arrogante às vezes. Odiava ser contrariado, mas, se deixasse a raiva dele se acalmar, uma conversa poderia resolver o problema. Ele e Kursk eram confidentes inseparáveis e isso incomodava muito Rania que detestava dividir a atenção do irmão e amigo com Dreyfus. O filho de Devon e a princesa Tiger não podiam ficar dois minutos num mesmo ambiente que a briga era certa. Carya não via Rania perder a paciência em nenhum outro momento, a menina era sempre um doce, meio desobediente e aventureira, mas nunca brigona. Exceto com Dreyfus. O arrogante de Dreyfus e a mimada Rania juntos era sinônimo de catástrofe. A única vez em que os dois se uniam era pra defender Kursk de alguma outra criança que brigasse com ele por qualquer motivo bobo. O filho de Eltar era capaz de mover uma montanha pra salvar alguém, mas nunca erguia um dedo em defesa própria, sempre preferindo o diálogo. Mas, honestamente, que criança resolve os problemas com diálogo? Além de Kursk, nenhuma, aparentemente.

A vida de Devon com Rádara não melhorara. Os dois pareciam estar sempre em guerra e o clima era tão denso que, no aniversário de 4 anos de Dreyfus, os dois praticamente não se falavam. Claro que qualquer dúvida de Lordok sobre a relação dos dois sumira nesse dia. Rádara não se descuidava do filho, mas também não o tratava com carinho e, muitas vezes, ensinava coisas que Devon não aprovava. Fora ela quem colocara na cabeça do filho que escravos e nobres não deveriam se misturar e que o rapaz deveria casa exclusivamente com uma nobre quando crescesse, além da ideia de que a vontade dele devia prevalecer acima da vontade de qualquer outro nobre ou plebeu, afinal, ele era o príncipe leonino. Devon fazia o que podia para ensinar o filho à ser um felino decente, mas a influência de Rádara sobre ele era poderosa e o rapaz tinha um gênio forte. Com 5 anos, Dreyfus já estava se tornando arrogante até com a babá que ele amava como uma segunda mãe. O garoto não era ruim. Ele era um amor, desde que suas vontades fossem atendidas. Devon vivia preocupado com isso, mas, agora como braço direito de Lordok, ele não tinha tanto tempo com o filho como queria. Sempre que Lordok viajava até Tiger, Devon o acompanhava e levava o filho com ele, apesar das brigas com Rádara pra isso.

Nesse dia, durante uma dessas viagens, Rádara estava irritada descontando sua frustração em todos os servos, quando a guarda de sua mãe apareceu agitada. Teira fora para seu jardim e mandou a guerreira em busca de um bordado que ela esquecera no quarto. Eram apenas alguns passos que não levaram mais do que dois minutos. Quando a guarda voltou, Teira havia desaparecido. Não haviam sinais de luta, nenhum pedido de resgate, haviam guardas e servos nas proximidades, mas não viram ou ouviram nada. Buscas foram feitas em toda a cordilheira das Montanhas Amarelas, o reino Tiger inclusive se envolveu nas buscas e só faltaram virar o planeta de cabeça para baixo e chacoalhar. Nada. Era como se Teira tivesse evaporado no ar. Como ela desaparecera durante uma das muitas viagens de Lordok ao reino Tiger, Rádara passou a culpá-lo pelo sumiço da mãe e a relação já estremecida dos dois ruiu de vez.

Dez anos se passou e Teira virou uma lenda, quase uma semideusa, para quem os felinos oravam pedindo por determinação, paciência e para encontrar pessoas ou objetos perdidos.

Quinze anos depois da coroação de Carya, Likastía estava prestes a enfrentar seus próprios mistérios, seus demônios e nobreza em alguns corações.

Likastía IIOnde histórias criam vida. Descubra agora