Likastía II

Aliviando a tensão

As coisas ficaram na mesma por algumas semanas. A força do poder de Rania surpreendeu até mesmo Circe que a treinara a vida toda porque a menina não tinha um controle muito bom, nunca teve por não gostar de treinar sua magia. Mas a cura de Kursk era praticamente impossível, mesmo pra alguém com o poder dela, e menos ainda sem o controle rigoroso do próprio dom. Mesmo assim, em 10 dias, Kursk já conseguia falar um pouco e até comer alimentos sólidos. Amara e Line assumiram os cuidados de Kursk e se revezavam nessa tarefa como se fosse sagrada. Dreyfus raramente saía do lado de Rania e até mesmo abandonara muitos compromissos reais com seu povo, mas era compreendido facilmente, afinal ela era sua namorada. Rania é quem ficara com a saúde mais debilitada, sua recuperação demorando muito mais do que o normal para um mago que se desgastava. Isso se devia principalmente ao pouco treino dela e à enorme quantidade de poder que ela gastara.

Seth tivera uma discussão tensa com Line quando ele precisara voltar às Montanhas Amarelas para cumprir seus deveres como mago chefe. Ele não queria deixar a filha ali antes do ataque, queria ela sempre perto. Os dois já haviam vivido separados por tanto tempo... Mas, depois do ataque à moça ele entrara no modo superprotetor, deixando seu lado racional de lado, e fizera de tudo pra ela aceitar ir embora com ele. Line não iria embora fugindo, não de novo. Ela era, afinal de contas, uma futura sacerdotisa de Kallisti. Seu lugar era ali, no templo, perto de seus amigos. Por fim, emburrado, Seth foi embora fazendo milhares de recomendações à ela e tomando algumas providências para sua segurança. Dreyfus e Line não se viram mais desde aquele dia. Ela queria agradecer, mas estava muito ocupada com as tarefas no templo e os cuidados com Kursk. Nos momentos em que ela ia ver a amiga, era Carya ou Rodan que estavam lá cuidando dela depois de obrigarem Dreyfus a ir descansar um pouco. Rodan estava focado nas buscas por Bafo nos últimos tempos e pelos mandantes do ataque à Kursk. Ele não tinha dúvidas de que ambos os ataques tinham relação. Carya recebera Vó dois dias antes e a velha estava organizando o funeral do filho, num estado lastimável. Carya nem teve coragem de contar à ela os detalhes da morte dele, apenas que alguém o matara para salvar Kursk. Amara evitara contato com a velha jaguar e todos sabiam o quanto ela se sentia culpada, embora tentasse ser forte e manter o foco nos cuidados do príncipe.

Era o vigésimo dia desde o ataque e Rania finalmente passara mais tempo acordada do que dormindo.

- E Vó? Eu queria tanto dar um abraço nela... – Rania perguntou, seu tom de voz ficando mais manhoso.

- Eu sei, docinho do pai. – Rodan respondeu, movendo uma peça do jogo de damas apoiado na cama entre eles. – Mas ela está muito focada nos preparativos do funeral.

- É só uma autodefesa, papai. Ela não quer desabar, então faz algo útil pra disfarçar que está tristinha.

- Eu sei, docinho. Mas não podemos fazer muito pra aplacar essa dor agora. Rait foi um filho muito ingrato e morreu como um traidor. Não é fácil aceitar isso. Sua vez.

Rania moveu uma peça do jogo, sem dar muita atenção. – Eu só queria...

- Poder diminuir a dor dela. – Rodan completou. – Eu sei, querida. Você tem um coração muito doce e amo isso. Mas não pode se preocupar com os outros agora.

- Ouça nosso pai, Rani. – Kursk entrou apoiado em duas bengalas, surpreendendo pai e filha. – Você precisa cuidar de você agora.

- KURSK! – Rania deu um gritinho agudo que fez Rodan instintivamente tampar os ouvidos. O brilho de felicidade nos olhos dela foi como um sopro de vida no coração do príncipe, mas o receio que o substituiu quase imediatamente foi como um tapa na cara. – O que você está fazendo aqui... Sua recuperação.

- Estou bem pra caminhar um pouco. Você, por outro lado... – Ele disse com uma pontada de culpa.

- Não foi culpa sua. Nem comece. – Rania cortou como se pudesse ler sua mente. – Eu fiz o que precisava fazer e faria mais mil vezes. Afinal, você é meu irmão.