Casos de família

5 2 0
                                    

Apenas Carya e Rodan acompanharam a velha senhora no sepultamento discreto de seu filho, por mera consideração à ela. Mas Amara acompanhara tudo de longe, culpa e uma tristeza quase depressiva a atingindo. O corpo de Rait foi cremado numa pira funerária, as chamas altas tradicionalmente acessas pelo membro mais próximo da família, neste caso, Vó. Ela se manteve firme, chorando silenciosamente, contendo-se. Carya e o marido saíram depois de alguns minutos, deixando Vó pra ter um momento a sós com o cadáver em chamas de seu filho. Amara estava atrás de uma árvore, tentando controlar as lágrimas, decidida a não sair dali. Assim que Carya se afastou o suficiente pra não poder ouví-la, Vó desabou num choro convulsivo, alto. Amara não aguentou ver o desespero da velha e se aproximou automaticamente, sem pensar, querendo consolá-la.

- Eu...Eu sinto muito. – Amara se aproximou e colocou uma mão no ombro de Vó.

Vó nem teve forças pra falar, o corpo convulsionando em soluços, de cabeça baixa entre as mãos. Amara inclinou um pouco pra abraçar a velha com força, chorando silenciosamente, angustiada com a sensação de culpa e de impotência rasgando seu peito. Ela deixou Vó chorar desesperadamente em seu ombro, alisando a cabeça dela, a confortando como podia. O sacerdote do Templo da Morte se aproximou pra coletar as cinzas quando o fogo diminuiu e apagou. Vó fungou e olhou nos olhos de Amara.

- Não foi culpa sua, querida. – Vó disse e Amara sentiu a culpa como uma pontada em seu coração.

- Sim, Vó. Foi. – Amara disse, se preparando mentalmente pra contar pra velha que ela tinha matado seu único filho.

- Não, minha linda. Não foi. – Vó disse e silenciou a menina com um gesto. – Eu sei, minha menina. Sei que você o matou. Ninguém teve coragem de me dizer, mas as notícias correm.

- E...eu...

- A culpa foi dele que se envolveu no que não devia, que armou contra um reino legítimo... E a mim quando me abandonou e escondeu... – Vó se calou, mas Amara captou a mensagem no ar. – Querida... Imagino o quanto isso deve ser difícil pra você. Mas não se culpe. Você fez o que era certo. Uma mocinha tão bonita, tão jovem e já tendo que carregar um fardo tão pesado...

Vó acariciou o rosto dela e Amara quase desabou, mas se conteve, lágrimas silenciosas rolando pela face.

- A senhora... Eu não sei...

- O que? Achou mesmo que eu não reconheceria minha neta? – Vó desistiu de fingir. – Minha lindinha, você é muito parecida comigo na sua idade e tem os mesmos gestos nervosos do idiota do meu filho. Não sou burra e muito menos cega, só sou velha mesmo.

- Não... Não é isso não. – Amara queria, mas não se sentia forte o suficiente pra mentir tão bem quanto aprendera.

- Cicla tirou meu filho de mim com as mentiras e armações dela, mas o destino fez com que ela me desse a neta mais linda que eu poderia desejar. Eu não posso carregar por você o fardo de ter matado o burro do seu pai, mas posso e vou ajudar a aliviar essa dor, minha lindinha. – Vó disse olhando nos olhos de Amara. – Eu não sei porque você mentiu sobre seus pais estarem mortos e aposto que sua mãe está por aí, armando como sempre, mas você tem que contar a verdade pra Carya, querida. Pro seu bem.

- Vó, por tudo que é mais sagrado, fique longe disso e não deixe ninguém notar que a senhora sabe quem sou. – Amara implorou. – A senhora não faz ideia de onde está se metendo.

- Conversaremos sobre isso depois, lindinha. Por agora, descanse seu coração dentro desses peitões sexy, - Vó tentou sorrir – eu nunca culparia você por essa porcaria toda que aconteceu. Mas, saiba de uma coisa: você não teve mãe e pai que te protegesse, mas você tem um avó que vai pisar na cara de qualquer um que tentar te ferir. Eu não pude proteger meu filho de si mesmo, mas, aqui, sobre as cinzas dele, eu juro, Amara, eu vou cuidar e proteger você nem que isso custe minha vida.

Likastía IIOnde histórias criam vida. Descubra agora