MIL ACASOS

Capítulo 4 - Gelo

A semana parecia se arrastar. Parece que quanto mais a gente espera que o tempo corra, mais ele demora a passar. Gizelly nunca tinha trabalhado tanto. Vivia correndo da sede da Meilã pros hotéis. Dos hotéis pros restaurantes... E quem reclamou foi Henrique, que disse mal ter conseguido vê-la naquela semana. Ela resolveu a questão da melhor forma possível. E da mais prazerosa também. Fizeram amor a noite toda e, com isso, ela conseguiu compensar a correria do dia a dia.

Na manhã da sexta, a cena costumeira se repetiu. Marcela madrugava no cruzeiro só para ver Gizelly de longe quando ela ia deixar Luisa. Sentada na cantina, ela ficava observando, na sua... A Bicalho chegava, ajeitava a gola da camisa da filha, dava um beijo, um abraço de despedida, desejava um bom dia e ficava ali observando-a sumir de vista. E antes de se virar, sua vista sempre cruzava com Marcela.

Mas a Mc Gowan não era amadora. Sabia que Gizelly não lhe queria por perto... Ou ao menos não tão perto assim. E sempre que ela se virava para sair, Marcela abaixava a cabeça e fingia fazer algo, ou mexendo no celular ou rabiscando em seu caderno. O importante era não deixar tão na cara assim seu interesse por ela. E quando a Bicalho ia embora, ela sorria. Sorria porque percebia que sua ex havia olhado em sua direção e, mesmo que por uma fração de segundo, se dispusera a observá-la. Mas seu peito encolhia também porque sabia que não passaria daquilo.

Gizelly nunca se dispusera a dar um oi, um sorriso por mais forçado que fosse, um aceno, nada. Marcela e uma porta pareciam ser a mesma coisa para ela. Mas no fundo, a Mc Gowan sabia que merecia aquilo. Fez por onde, aguentaria as consequências e azar o dela.

E no intervalo... bom, o intervalo também tinha seu ritual. Marcela passava a maior parte do tempo na sala de Mariana, analisando planilhas, lendo alguns livros de seu avô e resolvendo burocracias para a abertura de sua galeria. Mas na hora do intervalo, sempre se instalava na cantina, tomando seu milk-shake de morango e comendo sua coxinha de frango. E sempre tinha companhia. Às vezes no intervalo inteiro, às vezes numa parte dele.

Luisa não lhe largava. Sempre tinha uma pergunta, um comentário a fazer... E Marcela, particularmente, adorava. Ela ia da gentileza à implicância na velocidade da luz, mas sempre arrancava algumas boas risadas da Mc Gowan. Isso, quando não lhe metia em alguma saia justa. E foi justamente o que ela fez naquela manhã de sexta. Com a lancheirinha debaixo do braço, ela escalou o banco, abriu seu lanche e começou a comer. E quase matou Marcela engasgada.

- Tia Marcela, o que é poliamor?

Marcela precisou de ajuda. Uma funcionária da cantina lhe deu alguns tapinhas nas costas para poder engolir o pedaço da coxinha e respirar novamente. Mas de onde diabos Luisa tinha tirado aquela pergunta?

- Onde foi que você ouviu isso?

- A mamãe falou uma vez – a menina respondeu, mordendo seu sanduíche natural, e de boca cheia, emendou – Você sabe o que é?

Salva pelo gongo. O sinal tocou e Marcela tratou logo de expulsar a menina.

- Marina, vai pra aula. O sinal tocou.

- Esse sinal não é o meu, é pros alunos grandes. Meu recreio é maior – Luisa respondeu naturalmente e Marcela se desesperou.

- Pois vai pra biblioteca ler alguma coisa – sugeriu, ainda que duvidasse que ela soubesse ao menos ler direito. Qualquer coisa pra se livrar daquela situação. Como que explicaria poliamor pra uma criança de cinco anos?

- Você vem comigo? Aí você me explica o que é poliamor. Você também tá no seu recreio – pediu em completa inocência.

- Eu não vou me socar em biblioteca no meu intervalo – Marcela objetou – Olha só, Luisa... Essa coisa de poliamor... Pede pra sua mãe te explicar. Esse é um assunto que ela super entende.