MIL ACASOS

Capítulo 5 - Algumas coisas nunca mudam

Notas do Autor

capítulo de hoje e sobre ela: "Marcela!"

- E o que foi que você viu?

- Quando olhei pra Gizelly? – Mari assentiu – Coisa nenhuma. Deu pra sacar que eu e nada somos a mesma coisa pra ela.

Voltou a recolher caixas e empilhá-las, em completo silêncio. E Mari viu no semblante de Marcela algo que nunca pensou que um dia veria. Viu derrota. Marcela Mc Gowan se sentindo derrotada e entregando os pontos. Decididamente o mundo estava ao contrário. Ou como diria sua avó: a roda grande estava dentro da roda pequena.

Suas pernas já doíam tamanho o esforço que fazia para correr o mais rápido que podia. Era como se estivesse fugindo de alguém e, no fundo, Gizelly sabia que estava meio que fugindo mesmo. Mas era fugindo de si própria e do turbilhão que estava sua mente. Parecia não adiantar muito. O toque de Marcela ainda estava vivo demais e marcado em sua pele, que formigou ao contato dela. Mas por que diabos ela tinha que estar ali? Que conspiração ridícula era aquela do universo em sempre colocar Marcela no mesmo espaço que ela? Não estava aguentando mais.

E essa tentativa desesperada de aproximação da ex-namorada, agindo como se nada tivesse lhe acontecido, lhe dava nos nervos. O que Marcela tinha na cabeça? Vento? Não era possível que ela tivesse esquecido o que havia feito. Terminar um namoro por telefone, com uma desculpa esfarrapada, quando tudo estava aparentemente bem entre elas era no mínimo desumano. E foram sete anos, sete anos tentando juntar os cacos e passar por cima do desastre que Marcela causara, para, no fim das contas, ela chegar assim, na maior cara de pau, lhe chamando de Gi e lhe tocando daquele jeito.

Ela não era sua Gi, ela não era. Não era, não era, não era! Marcela poderia gritar, se esgoelar, ficar sem voz de berrar aos quatro ventos, mas ela não responderia simplesmente porque não era mais aquela pessoa. Ela matou a Gi da Marcela no dia em que ouviu um “Eu acho melhor a gente terminar. Eu preciso focar na minha carreira, no meu futuro, Gizelly, e ele está aqui em Paris e não no Brasil. Desculpa”.

Marcela a excluíu  do seu futuro e apagou seu passado em cinco minutos de ligação. Pois ela, Gizelly, fez o mesmo, e a colocou exatamente onde ela merecia: no esquecimento. Trabalhou isso tão bem ao longo dos anos, que a única coisa que conseguiu sentir quando Marcela a tocou mais cedo no salão foi raiva e coisa nenhuma. Indiferença, ausência de sentimentos, era isso que ela merecia e era isso que ela teria.

Quase sem ar, Gizelly parou embaixo de uma árvore, apoiou as mãos nos joelhos, fazendo um esforço sobre-humano para conseguir respirar. Nos fones, a música alta faltava estourar seus tímpanos, mas ela não estava nem aí. Descansou o que pareceu ser um minuto ou pouco mais, normalizou a respiração e retomou a corrida no mesmo ritmo de antes. Precisava ocupar a mente, se manter em movimento, cansar seu corpo, ou enlouqueceria.

Lá no salão, Marcela permaneceu em completo silêncio depois que Gizelly foi embora e Mari respeitou o espaço da amiga. Ficou calada também, não se atreveu a dizer uma palavra que não fosse “me ajuda aqui”, “pega aquilo ali” e “vou ver o Toni e a Luisa”. Marcela agradeceu em silêncio pela compreensão da amiga. Sua vontade era ir embora e só não fez isso por causa de Luisa. Não queria deixar a menina, ela poderia ir lá para fora a qualquer momento e não lhe encontrar. Não desejava isso. Se ela precisasse de algo, queria estar ali, mesmo sabendo que estava cometendo um erro em se preocupar tanto e se apegar à filha de Gizelly daquele jeito. Pela forma como ela lhe tratou, ou melhor, lhe ignorou, já havia deixado claro que não lhe queria perto da menina.

E sequer podia culpa-la. Talvez isso tornasse tudo ainda mais pesado. A responsável por aquilo tudo era só e somente só ela mesma e sua imaturidade e inconsequência.