34. Grey

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Guiava o grupo de hóspedes floresta adentro, com Jeff – sobrinho de Hau – ao meu lado. Ainda que eu fosse um dos líderes daquela excursão, era a minha primeira vez andando por aquela trilha e não conseguia parar de apreciar cada detalhe da paisagem a nossa volta.

Quando Hau disse que iriamos trabalhar no resort para pagar nossa estadia, imaginei atividades pouco empolgantes como, sei lá, lavar banheiros. Mas quando o irmão dele, Homai, veio até mim e anunciou que eu teria o grande prazer de ajudá-lo nos passeios turísticos, só consegui pensar que tinha ficado com a melhor parte de trabalhar.

— Podem tirar fotos, meus amigos! Estão andando por terras com flora intocada. E no meio da Califórnia! – enfatizou Jeff. Seu tom de voz fazia tudo parecer mais empolgante do que realmente era.

— Eu só não me arriscaria em experimentar nada – alertei para a mulher que levava a mão à um arbusto. – Algumas frutas são bem venenosas.

Ela soltou a frutinha no chão e esfregou a mão no short. Me senti orgulhoso por ter decorado o manual de turismo de Homai.

— Em poucos metros, chegaremos na famosa Boca do Dragão! A cachoeira mais procurada do nosso estado – Jeff continuou.

O filho de Homai era um rapaz alto, de pele bronzeada, com cabelos compridos e lisos como os de heróis indígenas dos filmes. Mesmo tão jovem, falava como se conhecesse aquelas terras a milhares de anos.

— Aproveitem para liberar toda a energia negativa antes de chegarmos na Boca – ele aconselhou. – Lá, há uma espiritualidade muito grande! As lendas dizem que os britânicos, na época da colonização, vinham até ela para banhar-se e pensar em seus problemas. A cachoeira lava as nossas tristezas e tenta resolver seus conflitos, sejam eles físicos ou emocionais.

Então esse é o lugar certo para mim, pensei.

As palavras de Sadie ainda martelavam em minha cabeça, como um lembrete doloroso da noite passada. Era angustiante pensar em como ela tinha revelado suas inseguranças em relação a mim (e como eu não tinha feito nada para provar o contrário). Aliás, fiz: fiquei olhando-a com cara de idiota, ocupado demais tentando entender seus motivos para tentar provar que o que dizia não tinha fundamento.

Quase implorei para que ela não desistisse e não ligo se é ridículo admitir isso, porque é a verdade.

Suspirei, cansado de lidar com tantos pensamentos conflituosos.

— Senhoras e senhoras! Lhes apresento a cachoeira mais antiga do estado da Califórnia! – Jeff puxou um par de samambaias para o lado, revelando a paisagem exuberante. – A Boca do Dragão! Lugar onde seus sentimentos estarão à flor da pele – apresentou teatralmente.

Abaixo de nós se estendia a lagoa de água cristalina que era abastecida por uma queda d'água. A terra molhada era da cor da areia, mas quando as luzes do sol a atingiam brilhava em um tom dourado, como se todas as riquezas do mundo pudessem ser encontradas ali.

Era possível ver rochas submersas cuja imagem tremeluzia com o movimento da água. Trepadeiras cobriam as pedras da encosta, como se a mata estivesse sempre tentando tomar mais e mais território.

Aquele era o lugar mais lindo em que já tinha estado. Arqueios por parte do público eram ouvidos e alguns hóspedes já estavam com seus celulares em mãos, tentando capturar o ângulo que mostraria a real beleza da Boca do Dragão. Mas eu duvidava que um aparelho conseguisse competir com o ao vivo.

— Espetacular, não é? Meu pai irá guiá-los até lá embaixo e... – Jeff começou a olhar em volta, procurando-o. – Alguém viu o...?

Decepção de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora