72. Tessa e Miguel

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Quando terminei de pintar a parede do meu quarto, Maria parou na porta e perguntou:

— Qual foi a inspiração dessa vez?

Normalmente, minha mãe usaria de uma longa argumentação para criticar o fato de eu ter estragado a pintura branca e sem graça. Não é que ela não gostasse de minhas pinturas, mas Maria sempre esteve tão ocupada reclamando da parede, que não se interessava na arte em si.

Ajeitei a alça de minha jardineira – agora toda suja de tinta – e lhe ofereci um sorriso.

— Noite estrelada, de Van Gogh – respondi.

Mamãe admirou as pinceladas em tons de azul claro, azul escuro e amarelo. Sem tirar os olhos da grande pintura, refletiu:

— Van Gogh estaria orgulhoso.

Já tinham se passado duas semanas desde que voltei para casa, com a memória recuperada e muitas novidades. Enquanto Giles tinha ficado no carro, Alice me acompanhou até o sétimo andar do prédio, onde a porta de meu apartamento estava aberta para qualquer um que quisesse entrar.

Meus pais tinham afastado os móveis e dançavam na sala ao ritmo de alguma música em espanhol. Ambos seguravam taças de vinho e rodopiavam pelo apartamento, sem perceber que estavam sendo observados. No México, eles costumavam fazer as noites de dança, mas desde que nos mudamos para os Estados Unidos aquela parecia uma tradição extinta.

— Belo jeito de conhecer meus sogros – sussurrou a engenheira em meu ouvido, sorrindo.

Meus pais estavam tão bêbados que ao notar nossas presenças, nos convidaram a tirar os sapatos e dançar. Antes que eu pudesse negar e sugerir que fossem dormir, Alice já estava rodopiando na sala ao som de Amor prohibido, de Selena Quintanilla.

Após algumas danças e várias ligações perdidas de Giles, Ali se despediu de nós. Quando mamãe e papai se largaram no sofá, sorridentes, bêbados, e exaustos, falei:

— Sabem a menina com quem dançaram a noite toda? É minha namorada.

Um jeito atípico de sair do armário, mas até que funcionou bem. Os dois estavam bêbados demais para refletir sobre o que eu disse. Claro, depois de suas ressacas tive que enfrentar um fuzilamento de perguntas a respeito de minha sexualidade (a grande maioria foi uma repetição de "Tem certeza? Quer dizer, certeza absoluta? Está totalmente certa disso?"), mas após duas semanas, ambos pareciam estar conformados. Papai até havia postado a bandeira LGBT em seu Facebook.

— Amor é amor. – Foi sua resposta quando lhe perguntei se não se importava com o que os outros iriam falar.

É. Pela primeira vez desde que chegamos nos Estados Unidos, nossa relação estava incrível.

— Tessália, já tomou seus remédios hoje? – questionou meu pai, surgindo na porta do quarto, atrás de Maria.

— Já, pai. É a primeira coisa que faço quando acordo – respondi, fechando a tampa de minhas tintas.

— Não teve mais nenhuma crise nas últimas semanas, teve?

Balancei a cabeça, negando.

— Eu estou bem! Minha epilepsia está controlada, pai.

— Confio no que diz, Tessa – prometeu, se aproximando o bastante para pôr as mãos em meus ombros. – Mas sua memória acabou de voltar! Estou apenas sendo cuidadoso.

Decepção de verãoOnde histórias criam vida. Descubra agora